São Paulo, domingo, 4 de fevereiro de 1996
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Vale tudo para comprar carro importado

MARCELO DIEGO; MARCELO TADEU LIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Fanáticos por carros importados -por vaidade, investimento ou realização de um sonho- driblam até a falta de dinheiro para ter um na garagem.
Com os preços dos importados variando entre R$ 12,27 mil e R$ 1,25 milhão, muitas revendas exigem garantias, como um avalista e prestações que não podem ultrapassar 25% do salário.
Mesmo sem atender esses requisitos, é possível ter um importado.
Cláudio Dambrol Agosto, 67, é professor aposentado. Mora em uma casa alugada, no Ipiranga (zona sul de São Paulo). Vive com uma aposentadoria de R$ 470 e cerca de R$ 900, obtidos em aulas particulares.
Com suas economias, comprou um Tipo 2.0 16V. Pagou, em dezembro, R$ 32 mil.
"Juntar para quê? Não tenho capital para comprar uma casa. Resolvi ter o carro, meu sonho."
Um apartamento de dois dormitórios no Ipiranga custa, em média, R$ 47 mil.
Com o dinheiro de sua indenização, após ser demitido da empresa onde trabalhava como analista de sistemas, Paulo Henrique Gonçalves Ferreira, 27, comprou um Hyundai Excel 2.0, ano 92.
"O que me atraiu foi o preço (R$ 8.000). Preferi um importado usado a um nacional mais novo."
Segundo Ferreira, a compra foi "toda planejada", inclusive os custos de manutenção (as peças importadas custam mais que as nacionais) e tarifas como IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, cuja média é 4% do valor de mercado do carro).
Ferreira mora com os pais e dois irmãos em um apartamento na estrada de Itapecerica (zona oeste). "Ajudo meus pais e estou procurando emprego. A compra do carro foi um investimento consciente."
O investimento do auxiliar de despachante Ricardo Ligori, 21, foi para outros fins: "Com um carrão, as mulheres prestam mais atenção."
Além de um Mitsubishi Eclipse GST NII, por R$ 53 mil, em setembro de 95, Ligori comprou também um telefone celular.
O dinheiro, segundo ele, veio do lucro da compra e venda de carros usados. Ele mora com os pais, no Canindé (zona norte).
O representante comercial Rodolfo Gõmõl, 34, comprou um Daewoo Espero DLX, em abril de 95, por R$ 29,6 mil.
Alguns meses depois, viu que seu apartamento, em Pirituba (zona norte), valia menos que o carro.
"Sinto-me muito feliz com o importado, que uso normalmente para trabalhar. Se o vendesse, para comprar um apartamento maior, teria maiores despesas com IPTU e condomínio."
A realização de um sonho levou o comerciante Renato Moreira Prado, 27, a comprar um Mitsubishi Eclipse GST, em 95, por R$ 40 mil. "Sonho não tem preço."
Prado, porém, não esconde uma preocupação: "É muito caro manter um carro como esse. Não sei se em 97 terei dinheiro para pagar o IPVA e o seguro".
Em 96, gastou R$ 1.428 no IPVA e mais R$ 4.000 no seguro.
Prado, que mora com os pais e é dono de uma loja de computadores, diz que não usa o carro em São Paulo. "As ruas têm muitos buracos."
Às vezes o consumidor se arrepende do negócio, como Nílson Sidnei Martin, 26, encarregado em uma corretora de seguros.
Martin adquiriu, em outubro de 95, um Hyundai Accent. Deixou na concessionária um Tipo 94, com vidro elétrico, ar-condicionado e som, e pagou o restante em 12 parcelas de US$ 600.
"Esperei dois meses pelo Hyundai. Abri mão da cor escolhida (prata) e aceitei um modelo branco. Hoje estou arrependido: além de ser mais cara a manutenção, estou com um modelo básico", diz.
Martin abriu mão também de uma viagem à Europa para poder comprar o carro. "Agora ficou mais difícil viajar", constata.
Impulso também moveu o meia do Flamengo Iranildo Hermínio Ferreira, 19. Ex-jogador do Botafogo, ganhava US$ 500 mensais. Com o prêmio pela conquista do Campeonato Brasileiro, comprou um Tempra SW, por R$ 29 mil.
No Flamengo, ganhará US$ 13 mil e um apartamento na zona sul. Iranildo mora com a família em Jacarepaguá (zona norte do Rio).
A distância entre sua casa e o campo de treinamento foi a justificativa para aquisição do carro.

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