São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
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Sessão do júri está aberta para tontos

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Já que tudo continua igual, já que continuam presos -pelo menos até ontem- desde o dia 25 de janeiro último, os líderes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) Diolinda Alves de Souza, Laércio Barbosa, Claudemir Cano e Felinto Procópio (nenhum parentesco comigo), essa coluna continua meio igual à última (de 30/01), que tratava da prisão deles.
A tontos como eu, que não entendem nada de Justiça, dá-se uma segunda chance de organizar idéias dispersas e acompanhar os passos da polícia e da Justiça, que tratam como questão de polícia, no Pontal do Paranapanema, São Paulo, o conflito pela terra -questão mais ampla, de natureza social.
É outra oportunidade para expor ao ridículo a ignorância, a inabilidade infantil para enfrentar o palavrório empertigado da Justiça ou as obscuras manobras da polícia em casos como esse e tantos outros.
Os quatro líderes dos sem-terra não foram presos apenas por formação de quadrilha. O delegado de polícia Marco Antonio Fogolin, de Sandovalina, indiciou os presos também por esbulho possessório: era o que faltava para se compreender, daqui de longe, o motivo da prisão dos sem-terra que invadem fazendas no interior.
Para complicar ainda mais o caso, houve rumores de que a polícia ou a Justiça propuseram trocar os quatro líderes presos pelo foragido José Rainha Jr.. Até agora nada se provou. Justiça e polícia atribuíram a proposta de troca aos atrapalhados advogados do MST, que enfrentam dificuldades para obter do juiz Fernando Florido Marcondes, da Vara Distrital de Pirapozinho, o relaxamento da prisão.
Claro que a tontos como eu, ou talvez você, sobra a confusão das informações desencontradas ou da simples falta de informação -e talvez a vontade de compreender por que, no Brasil, a Justiça e a polícia favorecem quase que invariavelmente o apenas 1% dos proprietários rurais (os grandes fazendeiros) que detêm um total de 44% das terras do país.
O destino dos sem-terra torna-se menos importante nesse momento do que a situação de absurdo gerada pela atuação da polícia e da Justiça. Duvido que o destino dos trabalhadores comova o cidadão urbano que folheia seu jornal. Já o procedimento dos homens da lei e da ordem, salta aos olhos de qualquer idiota.
Há algo de errado na prisão dessas pessoas, mas o idiota -que nunca teve motivos para confiar nem na polícia nem na Justiça- não localiza nada muito além do taxativo raciocínio do Dr. França, juiz de direito numa cidadezinha sertaneja, personagem do escritor Graciliano Ramos. O pensamento do Dr. França operava sempre assim: "considerando isto, considerando isso, considerando aquilo, considerando ainda mais isto, considerando porém aquilo, concluo".
Tontos e idiotas não sabem. É preciso sempre o palavrório de um Dr. França, que diga por eles: "a ordem existente nunca é aquela que deveria ser; (...) precisaria ser continuamente retocada e adaptada às situações reais que se vão modificando", pois, "normas, que a um tempo foram expressão de um pensamento jurídico, podem, variadas as circunstâncias, tornar-se nocivas à comunidade e ilegais."
É desse ponto de vista (do idiota), portanto, que se explica que "o prejudicado será inclinado a quebrantá-las (as tais normas), por meio da violência, como injustas".

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