São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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A sentença disfarçada

JANIO DE FREITAS

Tudo indica que o senador Ramez Tebet vai usar um artifício para dar parecer favorável ao empréstimo do Sivam com falsas aparências de reprovação. O truque, perceptível apesar dos escapismos verbais do senador, é a recomendação de concorrências públicas para as construções civis do Sivam, também de contratação da indústria nacional nas partes secundárias do projeto, para, afinal, aprovar o empréstimo, que significa a contratação da Raytheon.
Acontece que as obras públicas, equipamentos nacionais e estrangeiros, assim como tudo o que não diga respeito estritamente ao empréstimo externo, não estão no âmbito legal do relatório, nem da votação que o Senado deve realizar. O que cabe aos senadores é autorizar o empréstimo, ou não, e nada mais.
O senador Ramez Tebet e seus colegas de Senado estão crentes de que ele vai apresentar, e os outros vão votar, um relatório sobre o Sivam. Desta vez, porém, o relatório será o texto preliminar de uma sentença de julgamento do Congresso pela opinião pública, absolvendo-o ou condenando-o segundo o destino dado ao projeto já desmoralizado em todos os seus aspectos, das várias tramóias à subserviência internacional.
A carta de apelo mandada anteontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso aos senadores, para que aprovem o Sivam, contém partes graciosas. É o caso da sua alegação de que a recusa ao empréstimo oferecido pelo governo americano, por intermédio do Eximbank e condicionado à contratação da Raytheon, seria desmoralizadora para o Brasil.
Há dois dias foi noticiado o desperdício de US$ 100 milhões em juros e multas, decorrentes de empréstimos pedidos e não usados pelo Brasil. Não seria um caso a mais que desgastaria a imagem brasileira, se ela ainda é passível de mais desgaste. E, se é, muito maior há de ser o desgaste com a aprovação forçada de um projeto cujo nome está identificado, aqui e onde tenha sido mencionado, com imoralidade administrativa.
Outra graciosidade da carta é a promessa do presidente de adotar medidas rígidas para garantir a lisura na implantação do Sivam. Se não garantiu até as irregularidades transbordarem, ou o presidente estaria conivente, o que não é admissível, ou não há motivo para supor que agora poderia impedi-las. E, afinal de contas, não são as imoralidades para a frente que fazem a opinião pública repelir a aprovação, mas as imoralidades já comprometedoras do projeto.
A aprovação do empréstimo não depende só do relator. Será razoável, portanto, de acordo com as normas que regem as relações entre o Planalto e o Congresso, que outros aprovadores do Sivam peçam verbas tão expressivas quanto as liberadas, de repente, pelo moralizante presidente Fernando Henrique para o território eleitoral de Ramez Tebet, no Mato Grosso do Sul.
Mais um título
A capacidade de reação dos brasileiros está mesmo esgotada. É um insulto a colocação do Brasil no quinto lugar entre os países mais corruptos do mundo, na opinião dos mil políticos expressivos e grandes empresários reunidos em Davos. Até a Colômbia da fraternidade entre o narcotráfico, o governo e a política é considerada menos corrupta do que o Brasil.
Quinto lugar -e nenhuma reação à altura de tamanha injustiça. Ninguém para exigir o pedido, nem ao menos isso, de que a Transparency International Newsletter reconte os votos. Temos tradição de campeonatos mundiais: futebol, fórmula-1, vôlei, acidentes de trabalho, concentração de renda, altitude dos juros, tantos mais. Não se pode aceitar passivamente a injustiça de um quinto lugar.
Que o digam ou não os mal informados de Davos, esta copa também é nossa e não há de ser a minúscula Indonésia, com tanto dinheiro a menos, que haverá de levá-la.

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