São Paulo, quinta-feira, 8 de fevereiro de 1996
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Gesto solitário

CARLOS SARLI
MADRUGADAS DESSAS, DESCIA UMA AVENIDA DE SÃO PAULO.

Fazia força para me concentrar na direção, mas as cervejas a mais de uma daquelas festas de final de ano alagavam meus pensamentos.
Dois mais fortes, involuntariamente, dominavam as idéias. O primeiro brigava comigo, perguntando por que eu havia terminado com a namorada dias antes.
O segundo alimentava a esperança de encontrar alguém do sexo oposto com os mesmos objetivo que os meus no caminho de casa.
Viajava por essa avenida quando pensei ter visto uma silhueta humana na marquise mais alta de um edifício de 20 andares.
Reduzi a velocidade, pisquei os olhos mais rapidamente, esqueci o que vinha pensando e constatei, com a ajuda da Lua cheia em meio às nuvens, que havia mesmo alguém em cima daquele prédio.
Comecei a tremer ante a perspectiva de presenciar um suicídio. O cara estava prestes a se atirar.
Aproveitei o farol vermelho, que nunca me faria para àquela hora, para observar o próximo ato.
A distância não permitia nenhuma atitude que viesse a interferir na decisão do sujeito. Ele também pouco estaria se lixando para mim.
Foi quando ele se jogou.
Segundos de desespero, enquanto acompanhava o corpo comendo os andares, esbocei um "nossa", mas, antes de terminar de pronunciar o "o", um pára-quedas começou a se abrir.
Quando o farol abriu, o suposto suicida já estava no chão de velho.
Olhei pelo retrovisor e constatei que eu deveria ser a única testemunha. Não conseguia ver o que se passava atrás do muro do edifício.
Cheguei perto, desci do carro e fui pescoçar. Um carro se aproximou. Só tive tempo de ver um pára-quedas sendo jogado, seguido pelo dono, pulando o muro.
O motorista do carro abriu a porta, pára-quedas e pára-quedista para dentro e, então, perceberam a minha presença e me saudaram com um sonoro berro, que expressava toda a excitação do momento.
Maravilhoso, não pude acreditar. Já havia ouvido falar em base jump, essa, digamos, modalidade do pára-quedismo, onde o atleta sai de lugares fixos.
Mas presenciar, inesperadamente, essa performance, não podia imaginar. Fui privilegiado.
Quando o carro sumiu, a avenida ficou um silêncio só. Me liguei que eu também precisava dar pista.
Os pensamentos de dois minutos atrás foram substituídos por um único: o que leva um cara a fazer uma maluquice dessas?

Notas
Depois de seis dias à espera de condições, a primeira etapa do Tour da ASP teve início no sábado, em Sydney, Austrália. Com ondas de um metro, três dos oito brasileiros perderam de prima e ficaram em 33º. Teco Padaratz, com dores nas costas, não competiu.

Renan Rocha foi o destaque brasileiro. Começou vencendo Rob Machado e chegou à semifinal, terminando em terceiro no Cola-Cola Surf Classic. Peterson Rosa, de pranchas novas, ficou em quinto. O tricampeão Kelly Slater começou abusando e acertando manobras arriscadas. Conquistou a nona vitória no Circuito.

O triatleta Leandro Macedo ratificou a boa fase e venceu o 5º Bliss/Timex, em Santos, no último fim-de-semana. O norte-americano Mark Allen, hexacampeão do Ironman, não passou do 12º lugar.

Fabio Gurgel conquistou o título que faltava em sua vitoriosa carreira no jiu-jítsu ao vencer, no categoria pesado, o Mundial disputado no Rio, no domingo.

No sábado, rola o 1º Festival Náutico da Barra do Una. Qualquer embarcação com, no mínimo, 9,9 HP e que atendam às normas de segurança pode se inscrever.

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