São Paulo, quinta-feira, 8 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Texanos apimentaram a música mundial

EDSON FRANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os brancos europeus ensinaram ao mundo como compor melodias (a pasta), os negros africanos deram ritmo à coisa (o molho) e os texanos espalharam um tempero apimentado sobre a combinação.
A força picante dos músicos texanos chegou ao paroxismo quando, no final dos anos 50, um saxofonista nascido em Fort Worth começou a libertar o jazz da sua ligação umbilical com os acordes e criou o "free-jazz".
Trata-se de Ornette Coleman, 65, que, ao lado de Louis Armstrong, é dos poucos que pode reclamar para si a criação de uma escola jazzística e não apenas o aprofundamento de alguns conceitos que já estavam circulando.
Mas a colaboração texana no jazz começou um século antes.
Nascido na cidade de Texarkana, o pianista Scott Joplin (1868-1917) tentou elevar ao estágio de ópera o ragtime, estilo precursor do jazz.
Joplin morreu em decorrência de uma doença venérea sem ver seu sonho realizado. Isso só aconteceu nos anos 70, quando o maestro Gunther Schuler regeu a orquestra Houston Grand Opera em "Treemonisha".
Duetos inesquecíveis com Louis Armstrong -"Rockin' Chair" é o exemplo mais célebre- garantiram a imortalidade ao trombonista Jack Teagarden (1905-1964).
Filho de uma pianista e nascido em Vernon, Teagarden era dono de uma voz rústica e enfumaçada -em parte decorrente do alcoolismo que o levou à morte precoce- e de um estilo suave ao trombone.
Quando cantava, Teagarden chegava o mais próximo do timbre de voz negro que um branco podia alcançar. Quando tocava, tirava lágrimas do instrumento.
Se não bastasse ter dado o fundo ideal para a dor de Billie Holiday, o pianista de Austin Teddy Wilson (1912-1986) participou do primeiro trio inter-racial da história do jazz com o maestro e clarinetista Benny Goodman.
Além disso, não existiria Nat King Cole -da maneira como o conhecemos- sem a forte influência de Wilson.
Nem do jazz contemporâneo o Texas quis ficar de fora.
Um dos mais festejados trompetistas da atualidade nasceu em Waco, aprendeu as primeiras notas em Dallas e atende pelo nome de Roy Hargrove.
Guitarras
Assim como nos rodeios, os texanos se dão melhor quando têm cordas nas mãos. E, é claro, muito blues na cabeça.
O Estado produziu uma linhagem de guitarristas que definiu os rumos do instrumento. É difícil encontrar um grande guitarrista atual que não cite texanos como uma de suas influências.
Tudo começou no início deste século com o surgimento de Blind Lemon Jefferson (1897-1929).
Com sua voz potente e seu pouco respeito às convenções rítmicas, Jefferson, que começou nas ruas, chegou a um estrelato evidenciado pelos dois carros com motorista que conseguiu comprar.
A violência de sua cidade natal, Wortham, obrigava o guitarrista a andar armado, apesar de cego. Reza a lenda que ele teria participado de alguns tiroteios.
T-Bone Walker (1910-1975) foi quem primeiro absorveu e aprofundou o estilo de Jefferson. Mais do que isso, filho de donos de uma casa noturna em Dallas, Walker era os "olhos" de Jefferson enquanto ele estivesse na cidade.
Cantando e tocando, Walker se equilibrava na linha que divide jazz e blues. Seu estilo foi tão influente que B.B. King admitiu ter se interessado pela guitarra após ter ouvido Walker.
Outro grande nome dos primórdios do blues texano foi Lightnin' Hopkins (1912-1982). Oriundo da cidade rural de Centreville, ele estabeleceu os parâmetros do que hoje chamamos de country blues.
Nascido em Bonham, Charlie Christian (1916-1942) provou aos "band-leaders" que a guitarra elétrica era viável no jazz.
Era um solista irrepreensível. Entre aqueles que se basearam em seu estilo figuram Charlie Parker e Dizzy Gillespie.
O inglês Eric Clapton passou a infância tentando imitar um texano nascido em Gilmer e chamado Freddie King (1934-1976).
Quem personificou e acabou virando sinônimo de guitarra texana foi Albert Collins (1932-1993).
Dono de uma técnica que dispensava a palheta, Collins atacava as cordas com os dedos da mão direita, criando um timbre inimitável, que o músico definia como "ice-cold" (frio como o gelo).
O último herói da guitarra nasceu em Dallas. Stevie Ray Vaughan (1954-1990) provou que não existiu, existe ou existirá ninguém que toque com tanta fúria e técnica e consiga soar tão honesto.
Austin -cidade em que o guitarrista passou seus últimos dias- revela um novo Stevie Ray Vaughan a cada hora. Os dois discípulos mais aplicados atualmente são Chris Duarte e Ian Moore. Mas não chegam aos pés do mestre.

Texto Anterior: Vôo direto para Dallas motiva pacotes ao Texas
Próximo Texto: Estado tem mitos no country e pop
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.