São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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'Sabrina' atualiza mito da 'Cinderela'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: Sabrina
Produção: Estados Unidos, 1995
Direção: Sydney Pollack
Elenco: Julia Ormond, Harrison Ford, Greg Kinnear
Onde: nos cines Ipiranga, Belas Artes, Astor, Top Cine, West Plaza, Eldorado 3 e circuito

Uma comparação entre as duas versões de "Sabrina" -a velha, de Billy Wilder (1954), e a nova, de Sydney Pollack- daria pano para uma tese sobre a evolução do cinema americano moderno.
A história, extraída da peça "Sabrina Fair", de Samuel Taylor, mudou pouco. Nas duas versões, Linus e David Larrabee são dois irmãos milionários. O primeiro é um empreendedor, viciado em trabalho; o segundo, um "playboy", viciado em mulheres.
Sabrina é a filha do chofer, apaixonada por David. Para afastá-la do irmão -que está com um casamento de conveniência marcado-, Linus resolve seduzi-la.
Agora, as diferenças. Na versão de Pollack, foi eliminado o pai dos Larrabee, aumentando o poder e a responsabilidade de Linus (Harrison Ford). No filme de Wilder, David já casou três vezes; no de Pollack, nenhuma, o que reforça seu perfil de garotão irresponsável.
Na primeira versão, Sabrina foi a Paris estudar culinária; na segunda, foi estudar produção de moda e acabou virando fotógrafa.
Aumentaram também a quantidade de dólares em jogo e o tamanho dos decotes, mas isso importa pouco. No primeiro filme dizia-se: "Estamos no século 20". No segundo: "Estamos nos anos 90". Qual é, então, a grande diferença?
A tentação mais rasteira seria de dizer que o filme de Wilder é muito melhor, que o trio Humphrey Bogart/Audrey Hepburn/William Holden tem mais carisma e competência que Harrison Ford/Julia Ormond/Greg Kinnear, que não há nada como o cinema clássico etc. Mas não é verdade.
A "Sabrina" de Pollack é, tanto quanto a de Wilder, uma comédia romântica irresistível. Só que mais cínica e, paradoxalmente, mais sentimental.
O romantismo, que na primeira "Sabrina" era de certo modo matizado pela aspereza do preto-e-branco e pela rudeza de Bogart, explode aqui nas cores oníricas de Giuseppe Rotunno (diretor de fotografia de Fellini).
No roteiro, Pollack acrescenta naturalismo, verossimilhança e psicologia: os personagens passam a ser menos planos, mais cheios de "motivações".
Há também uma nova ironia, acrescentada à de Wilder. Numa cena, por exemplo, Linus diz ao irmão caçula mais ou menos o seguinte: "Você vai dançar com ela ao luar, levá-la para beber champanhe no solário, depois tomar o helicóptero e levá-la à casa de praia. Com isso tudo, ela se apaixonaria até por Noriega".
Autoconsciente ao extremo, o filme contém sua própria crítica. A facilidade com que Sabrina balança entre os dois irmãos -muito mais acentuada que na versão antiga- também é significativa.
É como se Pollack piscasse um olho para a platéia dizendo: o amor no cinema é só uma combinação de música certa, iluminação adequada, closes sugestivos.
Como no primeiro filme, também aqui a equação amor ou dinheiro termina com a conciliação dos dois, aliás um velho clichê do cinema romântico.
Mas no filme de Pollack há um dado irônico a mais, a reforçar a idéia de que tudo é falso e arbitrário: Sabrina já seria rica mesmo sem os Larrabee, pois o pai fez fortuna em segredo, investindo na Bolsa.
Não se fazem mais Cinderelas como antigamente.

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