São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996 |
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Olodum, Spike Lee e Michael Jackson
JOÃO JORGE SANTOS RODRIGUES Estávamos considerando que este seria mais um Carnaval comum da Bahia e do Olodum quando um telefonema de Ana Meire, nossa amiga baiana radicada em Nova York, tocou para avisar que Spike Lee queria falar com alguém do Olodum, pois o mesmo estava vindo ao Brasil, Bahia, para fazer um clipe com o Olodum da música "They Don't Care About Us", de Michael Jackson.Imediatamente vieram à minha mente os anos 60 e 80 e as nossas diferenciadas formas de ser negros e de viver em sociedades diferentes. Era como se fosse um filme em preto e branco. Para a minha geração em Salvador, que aprendeu a ver nos Jackson Five uma referência, garotos negros com cabelos "black power" e com gestos finos de dançar nos bailes de 15 anos, com calças bem transadas, sapatos de saltos altos e valorizando o nosso nariz chato e bonito, será uma surpresa encontrá-lo agora na capital da negritude brasileira, embranquecido e cada vez mais adorado. E, por ironia do destino, Michael Jackson vem acompanhado de Spike Lee, o mais bem-sucedido e polêmico diretor negro de cinema americano. Para nossa satisfação o furacão da negritude brasileira, o Olodum do Maciel-Pelourinho, a organização não-governamental popular que mobilizou multidões na luta contra o racismo na Bahia nos anos 80, foi convidado para participar da gravação de um clipe com 200 percussionistas no Largo do Pelourinho. Nós, o Olodum, Michael Jackson e Spike Lee temos muitas coisas em comum e outras muitas coisas diferentes. Em comum o fato de ser negro em sociedades multirraciais, a atividade artística e a inserção dessa atividade num universo dominado tradicionalmente por brancos. As diferenças podem ser vistas de muitos modos: Michael Jackson é acusado de não tratar diretamente da questão racial e de tentar embranquecer. Spike Lee é considerado um radical feroz e um racista ao contrário, por estimular a comunidade negra a tomar uma atitude. Já o Olodum é criticado pelos negros por permitir que brancos desfilem no Carnaval, e é considerado radical por brancos que acusam o Olodum de defender apenas a parcela da população que é pobre e negra. Ou ainda pelos ex-moradores do Maciel-Pelourinho que nos criticam por desenvolver atividades econômicas, como a Fábrica de Carnaval, a butique e a produtora de shows. Spike Lee, Michael Jackson e o Olodum simbolizam hoje a busca do sucesso na atividade que desenvolvem, o fazer a coisa certa, e contribuir para estimular a auto-estima dos negros no mundo inteiro. A comunidade negra mundial não é mais a mesma depois do Olodum, de Spike Lee e Michael Jackson. Muitos negros começaram a fazer coisas com suas próprias mãos e adquiriram formas mais sofisticadas de atuar e, aos poucos, derrubamos algumas barreiras e continuamos lutando contra o preconceito. O Olodum, Spike Lee e Michael Jackson herdaram o vigor dos panteras negras, de Malcom X, de Martin Luther King, do Movimento Negro Unificado e dos setores que nos antecederam na luta contra a discriminação racial nos Estados Unidos e no Brasil. Agora teremos o encontro que há alguns anos atrás parecia impossível, mas que, com a força dos orixás, será um encontro que mexerá com as forças mais profundas da criação. Texto Anterior: Barbaridades jurídicas dos três Poderes Próximo Texto: Banerj; Manifestação; Cumprimentos; Divisão de benefícios; Exemplo; Mensalidades Índice |
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