São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Lee diz que produtora pagou a traficantes

MARILENE FELINTO
ENVIADA ESPECIAL A SALVADOR

No intervalo do concorrido ensaio do clipe de Michael Jackson, cuja filmagem seria realizada ontem, o cineasta americano Spike Lee, 38, cedeu com exclusividade para a Folha o que seria uma entrevista e terminou como uma conversa num restaurante de Salvador.
Só pelo ensaio, de quase quatro horas seguidas, sob um sol de mais de 30 graus no alto do Pelourinho, já se imaginavam as gigantescas dimensões da produção de um trecho de filmagem que só ocupa 40 segundos de um clipe de aproximadamente quatro minutos.
Enquanto os cerca de 200 componentes da bateria do Olodum "merendavam", como se diz em Salvador, Lee falou sobre os problemas enfrentados para filmar no Brasil, sobre o Brasil e os EUA, sobre sua vida, cinema e esporte.
MICHAEL JACKSON
Para Lee, toda a controvérsia criada aqui em torno da visita de Michael Jackson ainda é incompreensível. Disse que Jackson não dá entrevistas porque não precisa, que ele é consciente da curiosidade que essa atitude acaba gerando nas pessoas, mas que não pode lutar contra a imprensa marrom, especialmente nos Estados Unidos.
Sobre a imprensa brasileira, queixou-se das perguntas "muito burras" que os jornalistas lhe fizeram na entrevista coletiva de sexta-feira, quando chegou. Disse que leu no avião, no vôo para o Brasil, todas as matérias publicadas nos jornais brasileiros sobre sua visita e a de Jackson ao país.
RIO
Entre consultas dos técnicos de som e instruções a seus assistentes, o cineasta perguntou mais de uma vez a esta reportagem por que tinha havido tamanho estardalhaço no Rio. Quis saber qual dos membros do Olodum fora contrário às filmagens no Rio e citou a atitude de Pelé, que também se opôs.
Ainda sobre as filmagens no Rio, Lee tem certeza de que a população local não é da mesma opinião dos políticos da cidade. Demonstrou preocupação com o que chamou de o dia "hard" (duro) que seria o das filmagens de hoje, não pelos traficantes -a quem, segundo ele, a Skylight pagou para obter permissão de subir o morro-, mas pelo trabalho em si.
CASAMENTO
No restaurante, entre goles de guaraná, Lee se deixou biografar -casado há dois anos com uma advogada americana e pai de Satchel, uma menina de 14 meses, o cineasta acha o casamento uma maravilha. Tem saudade de casa e da família quando viaja e se mostrou preocupado com o futuro da filha depois que assistiu ao filme "Kids". Deu graças a Deus de não ter uma mulher atriz e confessou que jamais namorou nem namoraria uma mulher branca, porque não se sente atraído por elas, porque, nos Estados Unidos, "têm bunda achatada". Ele ainda lembrou que, até 20 anos atrás, um homem negro poderia ser morto em seu país pelo simples fato de sair com uma mulher branca.
RACISMO
Spike Lee ficaria mais tempo no Brasil se pudesse, especialmente por causa do Carnaval. Muito curioso em relação ao país, insistiu na pergunta de por que, aqui, os negros são maioria mas representam a parcela mais pobre.
Lee também não entende por que os negros brasileiros não lutam, como os americanos, para defender seus direitos. Apontou o caso de Pelé, o maior jogador de futebol do mundo, segundo ele, mas que só se casou com brancas.
ESPORTES
Contou que, quando esteve no Brasil pela primeira vez (em 1987), foi a um jogo no Maracanã e ficou impressionado com a quantidade de pessoas.
BRASIL
Os aspectos da cultura brasileira que mais atraem o cineasta são a música e a dança. Ele repetiu que gostou de torcer para o Brasil, contra os Estados Unidos, num jogo de vôlei nas últimas Olimpíadas, em Barcelona. Ao ser informado de que o episódio teve grande repercussão aqui, quis saber se seus filmes também repercutiam.
Nesse momento, aproximou-se um fã pedindo autógrafo -dono de uma locadora de vídeo, o homem reconhecera Lee por uma foto "na fita do filme 'Febre na Selva'". A resposta estava dada.
CINEMA
Seu mais recente trabalho em cinema, "Girl 6", sobre a vida de uma garota que trabalha em uma linha de sexo por telefone, estreará em breve nos Estados Unidos.
Quis saber qual o sucesso de Quentin Tarantino no Brasil. Sobre cinema, falou ainda de Sonia Braga, perguntando se haveria já uma atriz brasileira mais jovem que pudesse fazer o mesmo sucesso de Braga.
O dia de Lee também foi duro em Salvador, de onde ele saiu dançando, maravilhado com a banda Olodum, sua bateria, seu batuque, e o trabalho de seu maestro, Neguinho, "tão durão e imperativo quanto um técnico de esportes", Lee disse. O dia do cineasta terminou com um último guaraná e vontade de voltar ao Brasil.

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