São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Ação da BM&F busca saldar dívida social

Entidade sugere parceria entre setor público e privado

SILVANA QUAGLIO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Bolsa de Mercadorias & Futuros de São Paulo é um desses lugares onde, se um desavisado entrar por engano, terá a impressão de que não sairá vivo. A gritaria dos pregões, entretanto, é apenas uma parte da imensa engrenagem que movimenta estes mercados.
O presidente da BM&F, Manoel Francisco Pires da Costa, afirma que se a prioridade da Bolsa e das empresas é buscar sempre o melhor negócio, a maior eficiência, não podem se esquecer do imenso déficit social do país.
Segundo ele, o Brasil está na rota certa com o Plano Real, mas o desenvolvimento sustentado da economia depende também do fortalecimento das parcerias entre os setores público e privado.
A seguir, os principais trechos da entrevista que Pires da Costa deu à Folha para explicar de que forma a BM&F pretende saldar uma pequena parte da dívida social e sobre as perspectivas do mercado de futuros na era do Real.
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Folha - O Plano Real trouxe mudanças para a BM&F?
Manoel Francisco Pires da Costa - O Real trouxe a queda da inflação e a estabilidade econômica. Isso se refletiu no alongamento dos prazos dos contratos, o que fez crescer o número de contratos e o volume financeiro negociado. Em 1993, a BM&F fez US$ 500 bilhões no ano, em 1994, US$ 1,5 trilhão e em 1995, US$ 3 trilhões.
Folha - Quais as perspectivas para esses mercados?
Pires da Costa - Para dar um salto realmente qualitativo e quantitativo a BM&F teria de se internacionalizar. Daí sim seria possível ampliar os mercados através de traders, de usuários de outros países e, basicamente, do Mercosul. Especificamente para o setor agropecuário, é importante que se tenha uma Bolsa de futuros no Mercosul. A região é grande produtora de grãos, de carne e com uma Bolsa local seria possível a formação de preços na região e não apenas em outros países.
Folha - A BM&F é uma instituição representativa?
Pires da Costa - Apesar de ser uma Bolsa local, portanto, não globalizada, ela é a terceira maior do mundo em número de contratos. Fez, no ano passado, 149 milhões de contratos. A primeira fez 249 milhões de contratos.
Folha - O que impede a internacionalização da BM&F?
Pires da Costa - Compete ao Banco Central liberar ou não a internacionalização. Eu não responsabilizo, nem critico o governo. Eu entendo as razões da não liberação até agora.
Folha - Que razões são essas?
Pires da Costa - O governo tem prioridades. Na minha opinião, primeiramente, vem a manutenção do regime democrático. Em seguida, a manutenção da inflação em patamares civilizados. Em função disso, tenho a impressão de que tem de haver uma observância firme em relação aos instrumentos que se usa, como o câmbio administrado, de uma certa forma, pelo governo, a taxa de juros também administrada para impedir uma demanda explosiva. O governo pode ter receio de que com uma internacionalização ele poderá ter uma preocupação a mais. Mas eu estou convencido de que não será assim.
Folha - Quando o sr. acha que isso acontecerá?
Pires da Costa - Acredito que a medida virá num momento em que o governo se sinta mais tranquilo e à vontade. Nós aguardamos que aconteça rapidamente. Principalmente porque será importante para a Bolsa, mas também para a consolidação do Mercosul. A BM&F é a única Bolsa de futuros na América Latina funcionando bem.
Folha - O fim dos fundos de commodities teve algum efeito sobre os negócios da BM&F?
Pires da Costa - Não. Eu tinha temor que pudesse afetar negativamente, mas eles foram substituídos por outros fundos que usam os mesmos instrumentos. Não existe hoje nenhuma administração de recursos que não utilize os mercados de futuros. Apenas acho que, se estivessem em vigência, poderiam promover um maior crescimento dos mercados agropecuários.
Folha - As medidas de restrição à entrada de dólares prejudicam os negócios da BM&F?
Pires da Costa - Não. As medidas são positivas. O objetivo do governo é corrigir distorções que o mercado cria. As medidas são localizadas e não interferem com a entrada de recursos saudáveis.
Folha - O sr. defende a parceria entre os setores privado e público. O que a BM&F já fez?
Pires da Costa - No ano passado nós desenvolvemos com o Banco do Brasil a CPR (Cédula de Produto Rural), que vai fortalecer os investimentos no setor agrícola. Esta parceria é inédita. O setor privado está dando sua contribuição no aprimoramento dos instrumentos. A única intenção das parcerias entre os setores público e privado é desenvolver a economia nacional cada vez mais.
Folha - A BM&F está lançando um programa para atender adolescentes carentes. Como é?
Pires da Costa - É a Associação Profissionalizante BM&F. É um programa que visa resgatar uma parte, ainda que mínima, da dívida social, tentando evitar mais crianças nas ruas. Nós, os mais privilegiados, já usufruímos muito do Estado. Agora, temos que ajudar o Estado, que está em situação financeira difícil, a atender os menos privilegiados. É a única forma de a gente reconquistar este país, reconquistar o crescimento e resgatar a dignidade do povo brasileiro através da consciência de cidadão.
Folha - O programa atenderá, prioritariamente, um público ligado ao mercado financeiro. Isso é suficiente?
Pires da Costa - Nós percebemos que resolver o problema de São Paulo, não é para o fôlego de uma única instituição. Faltam recursos. Por isso buscamos uma alternativa para contribuir, não procurando tirar as crianças que já estão na rua, mas de evitar que mais delas deixem suas casas. Eu acredito também que outras empresas e instituições poderão seguir nossa iniciativa.
Folha - Os empresários, os cidadãos já não cumpririam sua parte se pagassem os impostos e cobrassem do Estado a utilização correta dos recursos?
Pires da Costa - Esse lamentavelmente é um papel que não cabe a nós, BM&F. O papel que nos cabe é a tentativa de evitar que mais crianças vão para a rua. O exercício de ensinar ao cidadão adulto o que fazer como cidadão já é mais complicado. Se começar com a criança, quando for adulto esse cidadão vai começar a pagar os impostos que o passado não pagou, se é que existem não pagadores de uma forma assim global.

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