São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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A reforma e o sapato

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Os dados estão aí. Foram apresentados pelo próprio ministro da Previdência. O sistema está na beira do abismo.
Em 1995, os 90% de aposentados pelo INSS custaram aos cofres públicos R$ 35 bilhões; os 10% de inativos pelos regimes de aposentadoria especial custaram mais do que isso! Ou seja, uma minoria de 10% consome mais recursos do que a maioria de 90%.
No INSS, o benefício médio é de um salário mínimo para os rurais e dois salários mínimos para os urbanos. No Poder Legislativo, o benefício médio é de 36 salários mínimos e no Judiciário, quase 37.
Noticia-se a existência de aposentados que recebem mais de cem salários mínimos sem jamais terem contribuído para isso. Há casos de aposentadorias de R$ 22 mil por mês em Brasília e São Paulo; R$ 36 mil no Rio de Janeiro e no Ceará e R$ 71 mil no Espírito Santo.
Diante de um quadro tão dramático é incompreensível que o Brasil não tenha mudado esse modelo até esta data. Menos compreensível ainda é assistir a essa delonga de marchas e contramarchas no Congresso Nacional para aprovar uma reforma "meia-sola".
Sim, porque a verdadeira reforma é aquela que terá de ser feita mais cedo ou mais tarde para estabelecer, de uma vez por todas, um regime realista que atrele o valor dos benefícios àquilo que cada um acumulou ao longo de sua carreira de trabalho. Todo o resto não passa de sonhos de uma noite de verão.
O quadro no setor público é alarmante. Em 1995, os gastos com os funcionários no Rio de Janeiro consumiram 70% dos impostos; em Minas Gerais, foi 72%; em Goiás, 80%; em São Paulo, 85%; no Espírito Santo, 91%! Em todos eles os inativos pesam mais de 50% e tendem a comprometer cada vez mais as folhas de salários daqui para a frente.
O Brasil já não tolera mais desigualdades e essas benesses a poucos privilegiados. Não é justo que eles venham a provocar a falência dos Estados e municípios e, com isso, a falência das escolas públicas, dos hospitais, dos presídios etc.
Menos justo ainda é que eles venham comprometer o desenvolvimento do país dragando mais de R$ 35 bilhões por ano sem ter contribuído para o gozo desses privilégios.
Basta! Já não é mais possível assistir-se passivamente a esse jogo de avanços e recuos que lembra a recente "Batalha de Juiz de Fora", na qual se "bebemorou" um falso acordo por antecedência e se amargou uma greve de 40 dias deflagrada com base em artimanhas e mal-entendidos.
Que o Congresso Nacional passe a votar imediatamente essa matéria ainda que isso represente desgaste eleitoral para os que estão dispostos a salvar o Brasil. A história saberá distinguir os sinceros dos aproveitadores.
A solução é urgente. Será inaceitável usar o Carnaval como desculpa para adiar uma decisão tão importante. Uma demora desse tipo está transformando a reforma meia-sola em mera troca de saltos de um sapato que, apesar de surrado e cansado, tem de conduzir o seu dono numa caminhada de várias gerações.

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