São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Noves fora, outro canal

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Ouçam agora com atenção a história sem igual / deste porto tropical e desta embarcação / O nosso amigo a navegar é uma valente tripulação / passageiros foram ao mar procurar emoção..."
Esses versos devem ser familiares a alguns leitores de mais de 30 anos. São da apresentação da série enlatada "A Ilha dos Birutas" ("Gilligan's Island"), que foi exibida no final dos anos 60, salvo traição da memória, na extinta TV Excelsior, canal 9 de São Paulo.
Convivemos por pouco tempo, eu e a emissora da Nestor Pestana. A Excelsior saiu do ar em 1970, antes de as cores chegarem à TV.
Se há registros de suas transmissões, devem ser escassos e de difícil acesso, pois não os vi nem no "Vitrine", da Cultura, que costuma desenterrar imagens paleozóicas da televisão brasileira.
Basta, porém, uma breve consulta a "Telenovela Brasileira - Memória", de Ismael Fernandes (Brasiliense, 3ª edição, 1994), leitura essencial para quem gosta de refrescar a memória ou deseja conhecer melhor o gênero, para se ter idéia do que a Excelsior chegou a ser. Por exemplo, ela produziu a mais longa novela da história.
Com um elenco de grandes estrelas, como Francisco Cuoco, Miriam Mehler, Lélia Abramo e Procópio Ferreira, "Redenção" foi exibida entre maio de 1966 e maio de 1968 (596 capítulos!), e teve grande audiência do começo ao fim.
Fato notável, em um gênero cujas produções, como o recente "remake" de "Irmãos Coragem", podem soçobrar em poucas semanas.
"Redenção" fez sucesso, mas, por motivos que desconheço, não em minha casa: não me recordo de uma só cena.
Além das aventuras de Gilligan, minhas memórias da Excelsior passam pela voz de Peirão de Castro transmitindo futebol, luta-livre, o programa do Bolinha e outra novela "hit", que entrou no ar em 1968: "A Pequena Órfã".
Seu personagem principal era Toquinho (Patrícia Aires), uma loirinha capaz de enternecer um poste de concreto, que vivia com a legendária e odiosa Elza (Riva Nimitz), que maltratava sem misericórdia a pobre orfãzinha.
Dionísio Azevedo era o Velho Gui, bonzinho como o Gepeto, de "Pinocchio", e muito parecido com ele.
Era amigo e protetor de Toquinho, a quem ensinou uma canção-chiclete que a garota cantarolou a novela inteira: "Mandei fazer um barquinho / de papel, de papelão / pra levar o meu benzinho / pra dentro do coração...".
Em 1969, pouco antes de sair do ar, a Excelsior exibiu uma novela de ficção científica chamada "Os Estranhos", com Regina Duarte, Rosamaria Murtinho, Stênio Garcia, Osmar Prado e o jogador Pelé, então no auge de suas atuações (no gramado). Ele era Plínio Pompeu, escritor que contatava extraterrestres.
Se ETs em preto-e-branco fizeram o canto de cisne da Excelsior, coube a seus coloridos primos, 13 anos depois, trombetear a chegada de sua sucessora no seletor de canais: a TV Manchete, canal 9 de São Paulo, estreou exibindo "Contatos Imediatos do Terceiro Grau".
O apelo do filme, inédito na TV, e a reativação do último número disponível em VHF, eram razões suficientes para fazer daquele um momento histórico, mas a Manchete arranjou uma terceira: passou uma enxurrada de comerciais durante o filme, no maior e mais inconveniente exagero de patrocínio já visto por estes olhos que a tela há de comer.
Só não me lembro se, diante da retalhada fábula de Spielberg, pus-me a prantear a romântica Excelsior, ou aceitei o hipercomercialismo da Manchete como o preço da modernidade; mas eu deveria ter simplesmente mudado de canal.

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