São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996
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'Constituição' da educação muda face do país, diz Darcy

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A nova Lei de Diretrizes e Bases da educação -a LDB, uma espécie de "Constituição" do ensino, que foi aprovada na quinta-feira passada no Senado- vai exigir que os professores primários passem, na medida do possível, a ter formação universitária.
Os alunos desse nível de ensino poderão ter "promoção continuada" -o que quer dizer que, na passagem de alguns anos, não serão reprovados. Se essas medidas -"aparentemente modestas"- forem atingidas, "muda a face do Brasil", diz o senador Darcy Ribeiro, 73 (PDT-RJ), autor do texto que agora segue para a Câmara e, depois, para sanção presidencial.
Segundo ele, tanto no ensino secundário como no universitário, a nova LDB permitirá maior variedade de cursos, para atender às necessidades atuais de formação. Assim, uma faculdade poderá diplomar alunos que estudem algumas disciplinas, mas não o curso todo.
São esses os pontos que Darcy Ribeiro considera os mais importantes no projeto que substituirá a LDB de 1961 e a lei 5.692, que reformou o ensino brasileiro em 1971. A seguir, trechos da entrevista concedida na sexta-feira pelo senador, que falou por telefone de seu apartamento em Brasília.
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Folha - Qual a mudança mais importante que vai ocorrer na educação com a nova LDB?
Darcy Ribeiro - Essa LDB transmite a sensação de que a educação é um problema -ao contrário do projeto anterior, que era um projeto otimista, tendente a considerar que estava tudo resolvido, que a educação, como estava, acabaria se consertando. A Lei de Diretrizes e Bases tem uma visão objetiva: a educação vai mal e precisa de medidas salvadoras, tanto no primário, como no médio, como no superior. E ela apresenta na parte final uma série de medidas transitórias para um plano decenal.
Folha - O que é previsto para melhorar o 1º grau?
Ribeiro - Esse plano decenal é aparentemente modesto: que todos os professores de 1º grau, professores de turma (de 1ª a 4ª série), se capacitem para exercer seu papel. E todas as crianças passem a completar a 5ª série primária. Se nós conseguirmos isso, muda a face do Brasil. No 1º grau há possibilidade também de uma promoção continuada, em que a criança passe a 2ª e a 3ª série, por exemplo, aprendendo o que pode com a professora. Isso é muito importante, porque o que se faz agora é manter encurralada metade dos alunos na 1ª série. 50% dos alunos estão na 1ª série, o que é uma coisa completamente louca.
Folha - Como será a capacitação dos professores?
Ribeiro - A lei cria um novo sistema de formação de magistério, passando ele para o nível superior. Hoje, em São Paulo, já é possível passar para o nível universitário logo. Em Estados que não podem, se dá licença para continuar dando o normal secundário (curso de magistério). Há também a possibilidade de que o sistema de ensino separe as crianças até o 5º ano -que são crianças que têm só uma professora- dos estudantes mais velhos, que têm professor de matéria.
Folha - Como está acontecendo em São Paulo?
Ribeiro - Sim, como São Paulo começou a fazer agora, o que é um grande passo.
Folha - E o 2º grau?
Ribeiro - O curso médio vai sofrer muitas variações. É possível fazer o curso médio em combinação com escolas técnicas. Há escolas técnicas por aí que estão dando o curso acadêmico. A LDB libera a escola técnica de dar o curso comum. Pode dar cursos de três a seis meses de eletrônica, por exemplo, porque não é preciso mais tempo do que isso para aprender técnicas elementares.
Folha - E a universidade?
Ribeiro - O mais importante é que ela pode dar curso de frequência, como há no mundo inteiro. Uma sociedade moderna exige 2.000 tipos de especialistas. É claro que nós jamais alcançaremos esses 2.000 com um sistema imbecil de currículo mínimo definido pelo Conselho Federal de Educação. Em lugar disso, as universidades poderão dar curso de sequência. O aluno escolhe matemática 1, matemática 2, contabilidade, computação, e ele pode ter um certificado de estudos superiores em contabilidade bancária, por exemplo, que valerá como diploma. É uma coisa mais concreta e aproveitará vagas que já há na universidade. Uma universidade como Columbia ou Harvard (nos EUA) tem muito mais aluno desse tipo do que aluno curricular.
Folha - Foi nessa área a sua maior derrota no Senado, não?
Ribeiro - Ocorreu um desastre, porque o Toninho Malvadeza (senador Antônio Carlos Magalhães, PFL-BA) conseguiu aprovar uma coisa, por ignorância, que quebra o sistema universitário. Na universidade brasileira, o grande passo dado nos últimos anos foi sair da condição terciária -tem o primário, o secundário e o terciário- para o quarto nível, que é quando a universidade forma os seus próprios professores ou professores para outras universidades, por meio do mestrado e do doutorado. Equiparar mestrado e doutorado à especialização (como foi aprovado na emenda de ACM) vai permitir que alguém entre na universidade como professor porque fez um curso de obturação dentária doméstica. Ele (ACM) fez isso para permitir que a escola privada, que tem 1 milhão de alunos, não seja obrigada a melhorar o seu magistério. Tem que derrubar isso na Câmara.
Folha - Além disso, surgiram outros problemas no projeto de LDB ao votá-lo?
Ribeiro - Só esse. Os outros todos são questões que talvez pudessem ser melhores aqui ou ali, mas saiu muito boa, saiu como eu sonhava e eu estou muito contente.
Folha - A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação diz que o novo projeto de LDB desrespeitou um processo democrático de discussão? O que o sr. acha?
Ribeiro - Eu não sei. Houve um processo de discussão de oito anos. Eles querem mais oito? Quer dizer, nada foi mais discutido. Os senadores apresentaram emendas, essas emendas foram inspiradas em grande parte por organizações externas. Foram 400 emendas, das quais eu aproveitei quase 300. Ou seja, nunca uma lei foi debatida com tanto ouvido para quem tivesse o que dizer. Chegou o momento de parar. Foi aprovada afinal no Senado e eu tenho esperança de que vai ser rápido na Câmara.

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