São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 1996
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'Ele não queria embarcar'

PRIMEIRA VEZ
Antes de embarcar para Lisboa, em 89, ele não queria entrar a caixa que eu havia comprado.
Para acostumá-lo, a primeira coisa que fiz foi colocar o tapete dele dentro da caixa. Comecei a prepará-lo uns dois meses antes.
Coloquei comida dentro da caixa, mas ele não entrava.
Eu o colocava um pouco por dia dentro da caixa. Fechava a porta e deixava um minuto. E fui aumentando o tempo até ele ver que aquilo não era o fim do mundo.
CUIDADOS FINAIS
Tive de levá-lo primeiro até a veterinária do aeroporto.
Fui com ele ao estacionamento, onde há árvores. O veterinário havia recomendado que eu passeasse bastante com o Chiquinho, antes do embarque, para que ele urinasse o máximo possível.
Uma hora antes do embarque, ele havia tomado uma -ou meia, não me lembro- drágea de Gardenal para ficar mais relaxado.
DENTRO DO AVIÃO
Eu o coloquei dentro da caixa para valer só na hora do ckeck-in.
Conversei com ele e fechei o trinco, e o pessoal da Varig passou uma fita adesiva em torno da caixa, o que se revelou muito providencial, pois o trinco abriu e a fita adesiva manteve a porta fechada.
SUSTO
Ele não chorou ou latiu. Mesmo porque ele já estava acostumado a viajar de carro comigo.
Quando chegamos a Lisboa, começaram a aparecer nossas malas e a caixa do Chiquinho na esteira.
Logo comecei a chamar: "Chiquinho, Chiquinho." E observei que não havia nenhum movimento ou ruído dentro da caixa. Pensei que alguma coisa teria acontecido e ele estava morto.
Chamei-o de novo. Cortei a fita adesiva, abri a caixa e ele não se levantou. Acho que estava desmaiado ou dormindo um sono profundo demais para um cão.
Depois, a minha mulher foi ao banheiro e trouxe água, e ele bebeu desesperadamente, o que me tranquilizou.
DOCUMENTOS
Aí chegou o veterinário português. Ele estava impaciente. Fomos a uma sala onde ele passou um documento de trânsito e fez um exame clínico-visual.
Para sair de Portugal, eu fui tirar outro documento, escrito em quatro línguas. Levei o Chiquinho até o Porto, onde ele foi examinado e o documento, expedido.
Em nenhum lugar, durante a viagem inteirinha de carro pela Europa, me pediram o documento.
Quando eu entrei na França, vindo da Espanha, o policial me mandou seguir em frente.
Eu parei e disse para o guarda: "Eu estou transportando um cachorro. O senhor não quer ver os documentos dele?"
O guarda olhou pra mim, deu uma risadinha e disse: "Escute. Se eu não pedi o seu documento, por que o senhor acha que eu vou ofender o seu amigo pedindo o documento dele?"
GREGOS
É horrível. Os caras são de uma rudeza chocante. E tendo cachorro então, sai de baixo.
Há franceses, donos de cães, que vão à Grécia de trem para não encontrar gregos pela estrada e ter seus animais maltratados.
Na Grécia, praticamente não há hotéis que recebam cachorros.
BRIGAS
O único perigo era quando ele via outro cachorro na rua e queria brigar. Na França, apesar de poder entrar nos restaurantes com animais, eu nunca o levei para comer comigo. Ele iria dar vexame.
Em Portugal, no Porto, eu estava passeando com ele por uma praça e tinha de me esquivar das demais pessoas.
PRIVAÇÕES
Se eu fosse visitar um museu, parava o carro à sombra e deixava o Chiquinho lá. Se fôssemos visitar uma ruína, ou qualquer coisa assim, ele nos acompanhava.
Eu sou grande frequentador de museus, mas nessa viagem eu evitei visitá-los. Fiz um roteiro baseado em cenários e coisas históricas que eu queria ver e que não estão nos roteiros usuais.
O fato de ele ter ido junto influiu na decisão sobre o roteiro. Eu poderia, por exemplo, ter feito tudo e ainda ter ido a Paris.
Mas eu sei que Paris ia ser um saco pra ele. Com foi em Atenas.
Você tem de raciocinar da seguinte maneira: o cachorro vive em média 14 anos. O Chiquinho estava com oito na época da viagem. Eu sabia que ele tinha até sete anos mais de vida.
Se fosse a minha primeira vez na Europa, talvez tivesse sido mais frustrante.
SUBSTITUTO
Outro cachorro? Sim, eu pretendo ter outro cachorro. Temos de ter consciência de que eles vivem menos do que a gente. E é muito duro perdê-los.
Eu não estou procurando. Eu acho que o cachorro procura a gente de uma certa maneira.
Eu tenho medo de me afeiçoar tanto a um cachorro quanto eu me afeiçoei ao Chiquinho.

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