São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 1996
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Pós-comunismo libera clássicos húngaros

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Budapeste nunca deixou de ser um dos mais dinâmicos centros europeus de música erudita. Acontece que o comunismo (1949-1990) atrapalhou a visibilidade dos intérpretes húngaros no Ocidente.
Um maestro como Ferenc Fricsay (1914-1963), criador da Filarmônica de Budapeste -uma das três excelentes orquestras da cidade-, tornou-se famoso por dirigir na Alemanha.
Conjuntos de câmara como os quartetos de Budapeste (1917-1967) e o Húngaro (1935-1970) tornaram-se conhecidos porque gravaram por selos ocidentais.
Enquanto isso, o selo estatal da Hungria, a Hungaroton, despejava a conta-gotas sua produção em revendedores europeus e norte-americanos. Eram gravações de boa qualidade, pouca ousadia no repertório e preços módicos.
É justamente com essa imagem que os húngaros tentam um espaço no mercado brasileiro, em edições da Paradoxx.
Há belas surpresas nesse catálogo. Talvez a maior delas esteja em João de Sousa Carvalho (1745-1798), compositor português de 14 óperas, mestre-de-capela do Arcebispado de Lisboa e professor da família real.
Suas sonatas barrocas para cravo, interpretadas por Janos Sebestyen, são tardias na linguagem e deliciosas na harmonia.
As três aberturas de peças líricas trazem o anacronismo das influências sofridas, na época, pela corte dos Bragança: ela tomava Nápoles como capital musical do mundo, quando era em Viena que Haydn e Mozart operavam suas revoluções.
Há ainda entre os CDs uma virtuosíssima interpretação que o maestro Janos Ferencsik (1907-1984) nos dá da "Sinfonia Fantástica", de Berlioz. Ele dirige a Orquestra Estatal Húngara, seis meses antes de sua morte.
A partitura é dificílima, com um revezamento constante de solos e a iminência de pôr a nu a mínima deficiência dos naipes de instrumentos. Mas as cordas, a percussão e os metais comportam-se impecavelmente sob sua regência.
Dois outros CDs trazem os 20 integrantes da Capella Savaria, criada em 1981 como representante húngaro da corrente de reconstituição do repertório barroco com instrumentos originais.
Seu diretor musical, Pal Nemeth, dirige (gravação de 1989) quatro cantatas de Johann Sebastian Bach. É rigorosamente impecável. Ouça, por exemplo, o contraponto da ária para soprano "Es Rg're Sich Die Kluge Welt". Deixa pouquíssimo a dever ao vienense Harnoncourt, hoje talvez o maior especialista mundial dessas peças do repertório bachiano.
No segundo CD, a Capella Savaria interpreta "La Giuditta" (Judite), oratório de Alessandro Scarlatti (gravação de 1988) sob a direção do inglês Nicholas McGegan. Essa mesma matriz foi comercializada na Alemanha pelo selo Harmonia Mundi.
Tanto em Bach quanto em Scarlatti, atente para a voz -timbre, altura, rigor, energia e elegância- da soprano Maria Zadori, uma fantástica artista que a finada República Popular da Hungria por tanto tempo nos escondeu.
Os dois CDs que trazem peças de Mozart lembram o quanto Budapeste e Salzburgo unificavam os mesmos critérios musicais que associavam o belo à sutileza durante o (também finado) Império Austro-Húngaro.
Os húngaros são mais atavicamente mozartianos que os ingleses ou os franceses. Ivan Fischer é uma prova disso na direção firme -e talvez só um tanto lenta para o gosto consensual- da "Missa Brevis" (K. 192), com a Filarmônica de Budapeste.
Quanto a Janos Rolla, com a Orquestra de Câmara Liszt Ferenc, a "Serenata Noturna" (K. 239) e a conhecidíssima "Eine kleine Nachtmusik" (K. 525) são apenas leituras honestas, desprovidas de defeitos ou brilhantismos.
Nos demais CDs, sumariamente, há o violino cigano de Vilmos Szabadi, a quem os puristas poderiam acusar de errar feio com Debussy (romantizado em excesso) e acertar com Ravel.
A integral das 21 "Danças Húngaras" de Brahms é executada de forma densa pela Orquestra do Festival de Budapeste, dirigida por Ivan Fischer, que é também há oito anos maestro convidado da Sinfônica de Cincinati (EUA).
Outro maestro de peso, o italiano naturalizado sueco Lamberto Gardelli, dirige o oratório "Maria Egiziaca", de Ottorino Respighi (1879-1936), com a Orquestra Estatal Húngara. É uma peça pouco conhecida do compositor italiano.
Por último, e como vertente popular do repertório, há polcas e valsas de Johann Strauss, com Janos Sandor à frente da Gyor Filarmônica. Não é um Ormandy ou um Boskowsky, dois dos maestros que escapam com dificuldade dos estereótipos de interpretação que o ligeiro Strauss impõe.

Discos: 11 CDs clássicos gravados pela Hungaraton
Lançamento: Paradoxx
Preço: R$ 18 (o CD, em média)

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