São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Tentação diabólica

OSIRIS LOPES FILHO

O Sivam é um projeto emblemático. Possibilita uma radiografia da posição do país no mundo. Suas alianças, suas dependências, seu anseio ainda inatingido de libertação e sua cruel e triste submissão a forças internacionais que condicionam o país ao atrelamento a interesses externos.
É a um só tempo síntese do sonho, da realidade e do pesadelo. Parece uma caixa de Pandora. A cada vez que ela é aberta saem as serpentes a espalharem seus venenos, comprometendo pessoas e instituições.
A "Veja" de 14 de fevereiro, em reportagem de Mônica Bérgano, intitulada "Para os Inimigos, a Receita", noticia um subproduto dessa capacidade do Sivam de proporcionar que surjam com virulência e primitivismo as nossas mazelas, que o progresso civilizatório não consegue domesticar.
Torna público que o senador Gilberto Miranda, opositor pertinaz, nessa última fase da outorga do empreendimento à Raytheon, está sendo submetido a uma devassa fiscal completa, na sua pessoa e empresas, pela Secretaria da Receita Federal. A notícia, pelos detalhes estampados, indica a existência de manipulação oficial, fracassada no direcionamento controlado da sua repercussão. A fonte não contou, no seu afã de servir aos poderosos de plantão, com a criatividade e independência da repórter. Envolvem-se, numa trama nefanda, autoridades, instituição e fiscalizados.
De qualquer sorte constata-se que a Receita Federal, como instituição fundamental do Estado brasileiro, tem de enfrentar utilizações espúrias do poder que detém. O seu caminho é difícil, árduo e cheios de obstáculos.
Se as empresas do senador estão sendo fiscalizadas para silenciá-lo na sua oposição ao Sivam, configura-se ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade.
Mesmo que haja irregularidades tributárias em tais empresas, a sua fiscalização, nesse momento, envolve desvio de poder. A finalidade objetivada é coagir um representante do povo, acuá-lo, e não a de fazer cumprir a lei tributária.
A moralidade foi para o beleléu. Impera o pior do espírito carnavalesco. A licenciosidade, a orgia, a máscara inocente do cumprimento do dever a encobrir a dura situação dos beleguins do poder usando o aparelho estatal na chantagem e acuamento da divergência.
A impessoalidade é a pedra de toque da administração tributária. O critério de seleção dos contribuintes a serem fiscalizados não é o subjetivo, estabelecido pela vontade do administrador; tem de ser objetivo, baseado em parâmetros técnicos, eliminando-se o voluntarismo das autoridades.
A crise existente é didática. Pela sua abertura possibilita afirmar a tese longamente defendida pelos sindicatos dos auditores fiscais: a administração tributária é órgão do Estado. A sua obediência é à lei. Não às conveniências persecutórias do governo.
A Secretaria da Receita Federal, para segurança dos contribuintes e garantia do cumprimento adequado da sua função de arrecadar os tributos federais, como previsto na lei, tem de ser independente, neutra politicamente, leal, competente, apartidária, decente, dotada de alto grau de moralidade e observante dos padrões de legalidade. Essa é a pavimentação institucional para tornar o Brasil civilizado. Chega de Burundi.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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