São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A morte e a Previdência

JOSUÉ MACHADO

Que o computador faz confusão todos sabemos. O seguinte trecho desta tenebrosa nota policial ajuda a comprovar:
"O corpo encontrado no rio estava putrefato. No bolso da calça jeans havia um crachá e outros documentos do estilista. Por isso, não foi possível constatar se havia sinais externos de violência no corpo -buracos de balas ou facadas. O IML (Instituto Médico Legal) deverá tentar saber a causa da morte e se houve assassinato."
Quer dizer que "não foi possível constatar se havia sinais externos de violência" por causa do crachá e dos documentos? O que têm de ver o crachá e os documentos com as calças?
A história é triste, mas por que o confuso computador relacionou crachá e documentos com a possibilidade ou não de verificar sinais de violência? Nem convém apontar "constatar" como galicismo inútil, substituível por "verificar", porque não adianta.
Talvez adiante concluir que o exausto e confuso computador tinha pronta a nota quando notou ter esquecido de registrar o encontro dos documentos. Abriu um buraco depois da segunda oração, separou coisas inseparáveis e emendou coisas inemendáveis. Mais ou menos como o brilhante deputado Euler Ribeiro fez como relator da reforma da Previdência.
A propósito, Euler significa "oleiro" em alemão. Mas um locutor esportivo costuma chamar o veloz atacante mineiro Euler de "Filho do Vento". Talvez por semelhança ou confusão com Éolo, do grego "Aíolos", deus dos ventos. Mas do Euler Ribeiro não se pode dizer que é filho do vento. Filho, sim; do vento, não. Ele é tão filho do vento quanto são os excepcionais deputados Nélson Gíbson, Prisco Viana e Agnaldo Timóteo, entre outros, que defendem com tanto amor a gorda aposentadoria especial da operosa classe.
Que os corpos deles todos jamais sejam encontrados no rio Tietê ou no lago Paranoá, com ou sem crachá. Choraríamos muito.
Célio Silva tem moral?
Sempre se aprende muito vendo jogos pela TV. Um locutor disse, como diz sempre, que "Célio Silva ganhou a jogada na moral".
Na moral?
Como todos sabemos, "a" moral difere de "o" moral.
O substantivo feminino "moral" pode ter dois significados:
1) conjunto de regras de conduta, de bons costumes ("Certos deputados e senadores ofendem a moral pública.");
2) conclusão que se tira de uma obra ou fato, de uma fábula (Da fábula "República das Bananas" se tira esta moral: "O povo é apenas detalhe.").
O substantivo masculino "moral" significa brio, vergonha, coragem, estado de ânimo.
Nas disputas esportivas sempre se trata, portanto, de "o" moral como sinônimo de coragem, força, brio, vergonha, estado de ânimo.
Quando se referiu à botina pesada do zagueiro, o locutor se enganou de leve. Célio Silva ganhou a jogada NO moral, no peito, na coragem, no pé grande.
Em esportes só não será estranho falar em "a" moral, e até amoral (sem moral) e imoral (contra a moral), quando a referência for a um ou outro dirigente especialista em maracutaias, pilantragens e manobras enriquecedoras, à custa de atividades esportivas ou correlatas. Alguém já ouviu falar de algum desse tipo no Brasil?

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

Texto Anterior: Folião 'pipoca' é admitido
Próximo Texto: Falta de sol não afugenta banhistas do litoral de SP
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.