São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 1996
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Leia o discurso de Fernando Henrique

Este é o discurso que FHC faria ontem, em jantar oferecido pelo presidente do México, Ernesto Zedillo:

Recebo com muita emoção este Grande Colar da Ordem da Águia Asteca com que Vossa Excelência homenageia o povo brasileiro na pessoa do seu presidente. Ele se soma às palavras de amizade e afeto que Vossa Excelência acaba de pronunciar para dar o tom de perfeito entendimento que marca esta noite de congraçamento entre brasileiros e mexicanos.
A história da América é também a história da amizade, da solidariedade e da tolerância entre os seus povos.
O Brasil e o México são dois grandes países que se destacaram em nossa região, contribuindo para dar-lhe um sentido de destino e de projeto.
É natural que, em etapa histórica de tão rápidas mudanças, que sinalizam muitos desafios e riscos, mas também novas oportunidades, nossos países revivam com novo ímpeto a sua amizade tradicional, compartilhando experiências e buscando formas de ampliar a sua parceria.
Brasil e México são diferentes em muitos sentidos. Pertencemos a sub-regiões econômica e culturalmente distintas, estamos sujeitos a forças que variam em intensidade segundo os espaços geográficos em que nos situamos e temos vivido uma diferente experiência histórica em muitos aspectos.
Mas somos, antes de mais nada, dois países unidos pela identidade latino-americana, com muitos desafios e interesses comuns, que não podem prescindir da relação bilateral na busca de respostas à realidade internacional que se convencionou chamar de "mundo da globalização".
Esse mundo não pode ser apenas o da competição intensa entre os países, nem o da busca insensível da eficiência tecnológica e da competitividade.
Para que esse mundo da globalização faça sentido para nossos países, para que o crescimento econômico represente um real desenvolvimento humano, é preciso que ele se sustente nos valores da solidariedade, da inclusão social e da liberdade.
Como presidente do meu país, retorno ao México, que já me acolheu outras vezes e onde tenho tantos amigos, para trazer a palavra de um novo Brasil.
Um Brasil plenamente democrático e livre, com a economia estabilizada e em crescimento, aberto ao mundo e comprometido com as reformas estruturais que haverão de sustentar esse amplo processo de mudança qualitativa do nosso desenvolvimento e de inserção mais proveitosa na economia mundial.
Um Brasil que se constrói em torno da noção de que, sem cidadania, não há soberania, nem estabilidade política, nem crescimento econômico sustentado, nem sequer capacidade competitiva de economia. Hoje, a cidadania forte, participativa, reivindicativa, ciosa dos seus direitos e deveres é um componente fundamental da legitimidade moderna.
Um Brasil em que a democracia se consolidou e se enraizou no cotidiano, criando o ambiente apropriado para o avanço social.
Um Brasil plenamente integrado na América do Sul, sua primeira e principal circunstância, e que assume a sua participação no Mercosul como um dos elementos decisivos da sua identidade internacional.
Um Brasil, finalmente, consciente do sentido universal dos problemas dos direitos humanos, do meio ambiente, da segurança e da paz e que, por isso, procura participar ativamente da construção de um sistema internacional inspirado por princípios de equidade e justiça.
Nós queremos que a confiança e as oportunidades que voltaram a animar os brasileiros, principalmente desde o lançamento do Plano Real -sustentado já por quase dois anos de sucesso-, tenham um impacto cada vez mais positivo sobre as relações que nos unem aos nossos mais caros e tradicionais parceiros em todo o mundo.
Entre eles, o México ocupa um lugar de destaque.
O México é, para o brasileiro mais simples, uma referência sempre afetuosa. As imagens da hospitalidade e do carinho dos mexicanos pelo Brasil, em torno de uma das muitas pontes que nos unem -o gosto pelo futebol-, já fazem parte do sentimento coletivo brasileiro.
E o México é também, para nós, brasileiros, uma síntese da América Latina -das suas paisagens humanas e geográficas, da sua história e dos seus desafios, suas promessas e seus dilemas.
Poucos povos têm, como o mexicano, uma história tão rica e uma identidade nacional tão forte e marcante. São 3.000 anos de cultura e um patrimônio histórico e arqueológico dos mais ricos de todo o mundo.
O México continua a ser hoje um pólo criador e irradiador de cultura. Temos, como latino-americanos, orgulho de nomes da grandeza de Tamayo, de Juan Rulfo, de Octavio Paz e de Carlos Fuentes, homens universais que ajudam a projetar nosso continente.
Senhor presidente,
Se a amizade é o sentimento que o México evoca nos brasileiros, é o interesse dos mais legítimos o que alimenta nossas relações com este país de vastos recursos e extraordinário potencial.
Fora dos âmbitos sub-regionais em que estamos inseridos, há um vasto campo bilateral para atuarmos.
O Mercosul e o Nafta fortalecem-nos para isso, mas não substituem o bilateral entre países da importância e do potencial do Brasil e do México.
Entre o bilateral e o regional não há exclusão; há complementaridade e comunicação.
Somos parceiros importantes no conjunto das relações intralatino-americanas, ainda que estejamos muito aquém do que se poderia esperar de economias do porte, da vocação de dinamismo das nossas.
À medida que se fortalece o nosso setor privado, que se abrem as nossas economias e se redimensiona o papel do Estado em nossos países, esse intercâmbio ganha novos vetores de aceleração.
É preciso que a ação dos governos catalise, mas sem substituir, a ação dos agentes econômicos no crescimento do intercâmbio econômico e comercial bilateral.
Para isso é necessário mais do que vontade política: é preciso que nós nos conheçamos melhor.
Temos uma agenda extensa e concreta para tratar, uma agenda proporcional ao tamanho de nossas economias, ao dinamismo de suas políticas externas e à extensão dos espaços políticos e econômicos em que ambos os países procuram atuar.
Não podemos deixar que questões pequenas e localizadas prejudiquem o potencial de nossas relações: com equilíbrio e pragmatismo é possível superar todas essas questões.
Compartilhamos uma agenda hemisférica cada vez mais complexa, em que a construção de uma verdadeira parceria continental dá uma nova dimensão às relações interamericanas e aumenta a responsabilidade de países como o Brasil e o México.
Nossos países tornaram-se referências obrigatórias no quadro mais amplo dos êxitos, desafios e problemas das economias emergentes, que vêm alterando o perfil das relações internacionais e a própria inserção externa dos nossos países.
Mas nós não queremos assistir passivamente a esse processo. Nossa vontade de participar na construção do futuro faz parte de um projeto maior de reforço da nossa soberania por meio do fortalecimento econômico e da correção do passivo social que entrava nosso desenvolvimento pleno.
A parceria de países como o Brasil e o México deve, por isso mesmo, voltar-se para aquelas áreas de entendimento -político, econômico, comercial e de cooperação- que reforcem a nossa capacidade de preservar e ampliar os progressos que já fizemos em nossa inserção regional e internacional.
Temos experiências importantes a compartilhar. Só para dar um exemplo expressivo, de grande atualidade na escala das prioridades brasileiras, o México vem há tempos implementando projetos de grande visibilidade na criação e desenvolvimento de pólos turísticos, de que Cancún, hoje tão familiar aos brasileiros, é perfeito exemplo.
Esse conhecimento das experiências mais recentes dos nossos países será um fator fundamental para uma parceria que vá além do simbolismo dos gestos, que altere qualitativamente o perfil da nossa coordenação política, do nosso intercâmbio, da nossa cooperação e que tenha um verdadeiro efeito multiplicador.
E não podemos perder de vista que é no campo espiritual, da cooperação e do intercâmbio cultural que se completa necessariamente a parceria renovada que nós desejamos desenvolver entre o Brasil e o México.
Senhor presidente,
A verdadeira solidariedade que podemos construir entre os nossos países em um momento decisivo das suas histórias foi o que me animou a vir ao México.
É com esse espírito e em reconhecimento à contribuição que Vossa Excelência vem dando ao fortalecimento das relações entre o México e o Brasil que, em nome de todos os brasileiros, quero fazer-lhe a entrega do Grande Colar da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Receba-o também como prova da gratidão de todos os brasileiros que aqui se encontram pela amizade e hospitalidade com que o México mais uma vez fala ao coração do Brasil.
Muito obrigado.

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