São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 1996
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Os juros e a dívida

CELSO PINTO

Qual a razão para o enorme salto de 75% da dívida federal em títulos, a chamada dívida mobiliária, no ano passado?
Quem respondeu o óbvio, ou seja, o descontrole nas contas públicas, deve qualificar melhor sua resposta.
A verdade é que, em grande medida, a dívida mobiliária cresceu, direta ou indiretamente, em função dos juros altos, como mostram algumas contas feitas em Brasília.
No final de 1994, a dívida mobiliária era de R$ 61,8 bilhões. Em 12 meses, ela saltou para R$ 108,6 bilhões.
Do aumento de R$ 46,8 bilhões, a maior parte, ou R$ 39,1 bilhões, aconteceu no segundo semestre.
Exatamente o período em que as contas fiscais do caixa do Tesouro não foram deficitárias e sim superavitárias, em R$ 200 milhões.
Ou seja, ajudaram a enxugar e não a expandir a pressão por recursos do governo federal.
Foram três as principais razões para o aumento da dívida mobiliária no segundo semestre, todas elas ligadas, de uma forma ou de outra, à política de juros altos.
A principal foi o aumento das reservas cambiais. Os dólares são trocados por reais e, para evitar que estes reais tenham um impacto inflacionário, o governo os recolhe vendendo seus papéis no mercado.
O salto nas reservas explica um aumento de R$ 18,3 bilhões em emissões de títulos públicos no segundo semestre, ou quase a metade do total.
A enxurrada de dólares se explica, basicamente, pela enorme atração exercida pelos juros altos internos, quando comparados ao custo de contratação dos dólares no mercado internacional.
O segundo principal fator de expansão da dívida mobiliária no segundo semestre é auto-explicativo.
Foram gastos R$ 13,8 bilhões com o pagamento de juros nominais sobre a própria dívida mobiliária e outros depósitos compulsórios.
O terceiro fator, responsável por R$ 10,8 bilhões, foi o que o BC gastou em devolução de compulsórios, assistência financeira de liquidez aos bancos e no Proer, o programa de resgate de bancos quebrados.
Pode-se argumentar que a fragilidade do sistema bancário foi provocada pela perda de receita com a súbita queda da inflação.
É óbvio, no entanto, que a crise foi, no mínimo, agravada pelos juros.
Um outro motivo de expansão da dívida mobiliária foi a emissão especial de R$ 4,7 bilhões em Letras do Banco Central que serviram para federalizar dívidas estaduais.
Neste caso, os juros altos foram apenas coadjuvantes de uma crise mais antiga.
Para chegar ao valor líquido de expansão de R$ 39,1 bilhões na emissão de títulos federais no segundo semestre, é preciso deduzir outras contas que ajudaram a resgatar R$ 8,3 bilhões em papéis.
A situação não mudou muito neste início de ano. Informações extra-oficiais indicam que as reservas cambiais subiram mais US$ 2 bilhões em janeiro, o que significa a necessidade de mais emissões de títulos públicos.
O Tesouro, por sua vez, fechou janeiro com um rombo de R$ 2,8 bilhões. O pagamento de juros com a dívida mobiliária explicou R$ 1,3 bilhão, ou quase metade do total.
O risco, portanto, é somar as pressões vindas do acúmulo de reservas (o BC projeta um crescimento de US$ 10 bilhões nas reservas neste ano), e dos juros sobre uma dívida mobiliária muito maior, a desequilíbrios efetivos de gastos.
Em termos relativos, apesar do salto ocorrido no ano passado, a dívida mobiliária ainda é razoável: chegou a 12,7% do PIB em dezembro, pelos cálculos do BC.
O problema é que, dado o nível ainda muito elevado dos juros reais e outros fatores de pressão, o estoque da dívida tende a crescer de forma exponencial.
O pior é que, quanto maior o estoque da dívida mobiliária, mais se encontra o argumento, no BC, de que é difícil reduzir os juros reais.
O raciocínio é o seguinte: como a dívida mobiliária tem um prazo curto, de cinco meses, isso significa que o BC tem que colocar mais de R$ 20 bilhões por mês, só para rolar a parcela da dívida mobiliária que vence -afora o extra para absorver mais reservas e mais buracos do Tesouro.
Para conseguir vender tantos papéis, segue o raciocínio, o BC precisa pagar bem. A alternativa à venda de papéis é emitir reais, o que seria inflacionário.
Muita gente no mercado discorda e acha que, mesmo que os juros caíssem mais, o BC continuaria a vender seus papéis.
O fato é que, ao usar este tipo de argumento, o BC se coloca numa armadilha: não baixa o juro porque a dívida é alta e, ao fazer isso, a faz crescer ainda mais.
Uma solução teórica seria gerar um superávit fiscal de tal dimensão que absorvesse todo o custo da dívida e ainda permitisse resgatar parte do principal. Na situação atual, contudo, isso é um sonho.

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