São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
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Sepultura foge do padrão heavy-metal

CÉLIA ALMUDENA
DA REPORTAGEM LOCAL

O sexto disco do Sepultura, "Roots", é surpreendente sob todos os aspectos. Tem todo o peso que identifica a banda, mas vem com molho percussivo que dá um caráter inovador ao ambiente de pouca criatividade no panorama do rock atual.
O tema central deste primeiro trabalho conceitual do grupo é o resgate das raízes. A identidade da banda, o estilo ultrapesado e agressivo, só foi reforçado.
A combinação explosiva de experimentalismo e pesquisa musical mescla Carlinhos Brown e os cantos dos índios xavantes ao peso habitual do Sepultura.
Isso não parece novidade, afinal vários grupos vêm misturando rock com ritmos brasileiros há muito tempo. O fato é que somando a experiência internacional da banda com a impecável produção de Andy Wallace, o Sepultura cavou fundo e encontrou suas verdadeiras raízes.
Em "Roots" é evidente a fuga do padrão metal quadradão. É difícil uma banda chegar ao sexto disco e mostrar uma evolução criativa tão profunda, com um salto de qualidade astronômico em relação ao trabalho anterior, "Chaos A.D.".
"Roots Bloody Roots" dá a largada para o coquetel apocalíptico de ritmos. Os vocais guturais de Max Cavalera entram na cadência de uma endiabrada roda de capoeira, sem a presença do berimbau, instrumento que pontua várias outras músicas do disco.
Vocais indescritíveis sobrevivem em meio ao peso destrutivo do pagode absurdo que é a faixa "Attitude".
Carlinhos Brown e o Sepultura levam a uma viagem pela realidade brasileira, com favelas, subúrbios, Zé do Caixão e Lampião, na moqueca elétrica "Ratamahatta". Um encontro tão significativo quanto o de Gilberto Gil e os Mutantes em "Domingo no Parque", guardadas as devidas proporções.
A já impressionante pegada do baterista Igor Cavalera ficou mais apimentada após o encontro com Brown, ganhando ginga e tempero. Mais de 15 instrumentos de percussão foram usados nas 15 faixas desse disco. Na versão nacional do CD há duas faixas bônus, "Procriation" (cover do Celtic Frost) e "Symptom of the Universe" (cover do Black Sabbath).
Nessa incessante busca das raízes, nada mais natural, ou sobrenatural, que a alma de Hendrix se digitalizando na guitarra enfurecida de Andreas Kisser em "Straighthate", criada para expor a revolta da banda. O clima quase psicodélico ganha força com o baixo delirante de Paulo Jr.
"Lookaway" é a única faixa fora do conceito de "Roots". Traz a bateria eletrônica de DJ Lethal (do grupo branco de rap House of Pain) e grunhidos de Mike Patton (Faith No More), Jonathan Davis (Korn) e Max.
Para acalmar os tímpanos para os cantos xavantes, o Sepultura serve "Jasco", uma curta peça acústica em que Andreas retoma sua formação clássica e a assumida influência de Egberto Gismonti.
"Itsári" -raízes, em xavante- traz um dos rituais de cura da tribo para o século 21. Gravada na aldeia de Pimentel Barbosa, no Mato Grosso, a música é a simbiose perfeita deste encontro multicontracultural.
O resultado é uma troca de informações de fina sensibilidade, muito diferente dos já ensaiados encontros entre o pop e o folclórico. A poesia do canto xavante foi preservada em "Itsári" e o Sepultura, sabiamente, não submeteu a cultura indígena a seu catecismo heavy-metal.
Já em "Dictatorshit" a banda volta aos temas políticos e dá seu pesado apoio ao movimento Tortura Nunca Mais. É o velho estilo podrão retornando para fechar "Roots".

Disco: Roots
Gravadora: Roadrunner
Lançamento: começo de março
Preço: R$ 20 (CD, em média)

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