São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 1996
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Fraternidade e política

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A Campanha da Fraternidade deste ano, sob a inspiração do salmo 85, "Justiça e paz se abraçarão", propõe como tema contribuir para a formação política dos cristãos a fim de que exerçam sua cidadania, sendo sujeitos da construção de uma sociedade justa e solidária.
As comunidades são, assim, convocadas para durante o tempo da Quaresma preparar a Páscoa, por uma atitude de sincera conversão.
Se nem todos têm vocação para atuar na política partidária, todos, no entanto, temos o dever de participar na promoção do bem comum.
A CF-1996 nos auxilia a assumir a cidadania à luz do Evangelho. De que modo isso acontece?
1) Em primeiro lugar a mensagem de Cristo robustece a motivação da cidadania. O cristão descobre que o mandamento do amor, além dos gestos de doação pessoal, familiar e grupal, inclui a transformação da sociedade para que sejam superadas a injustiça e a violência.
Trata-se de perceber que a ação política da co-responsabilidade pelo bem comum tem por razão última a vontade de Deus e é expressão eminente da caridade cristã. Portanto, a omissão frente aos deveres cívicos não só acarreta detrimento ao bem-estar e à paz social, mas constitui desobediência ao plano divino. Daí a necessidade de conversão nesta Quaresma.
2) Para o cristão, a política deve se exercer conforme os princípios evangélicos. A prioridade compete à pessoa humana, em sua dignidade, com o dever de promovê-la, especialmente quando vilipendiada. Daí a opção evangélica e política de dar preferência aos empobrecidos a fim de que possam ter condições de vida humana.
3) O respeito à pessoa do irmão que o Evangelho ensina inclui uma série de atitudes e compromissos que têm sido explicitados na doutrina social da igreja, desde o direito de nascer até as exigências de desenvolvimento integral para todos, com trabalho, salário justo, acesso à terra, moradia, saúde, educação e condições de segurança e paz.
Pertence às comunidades conhecer melhor e aplicar às situações concretas a evidência e a força desses princípios.
4) A atuação na política por parte dos cristãos deve pautar-se pela justiça e caridade. Assim ficam excluídos os processos violentos, a tolerância com a corrupção, a busca desordenada de vantagens pessoais e tornam-se prioritários os métodos pacíficos, a educação da consciência e liberdade, a participação popular.
Na militância partidária, própria dos leigos, será preciso procurar o consenso das várias tendências de modo a apoiar as medidas em vista do bem comum e a imediata promoção de milhões de empobrecidos.
5) Para que a "Justiça e paz se abracem" é indispensável a ação de Deus que ilumine e sustente o agir humano.
O cristão sabe, por experiência cotidiana, que ninguém é capaz de superar o egoísmo, a cobiça e o anseio de dominação sem o auxílio divino.
É, portanto, no recurso à oração e à vida sacramental que as comunidades hão de encontrar a força interior para assumir o serviço aos demais, contribuindo para a elaboração e execução de leis e o exercício dos cargos públicos que garantam o Estado de Direito e uma convivência justa e solidária para todos.
Nossa pátria, marcada desde sua origem pela mensagem do Evangelho, deveria ser capaz de oferecer às demais nações exemplo de como resolver, na paz e fraternidade, os problemas de injustiça e violência que assolam o final de século.
Será esse um sinal evidente da Páscoa do Senhor e da presença do reino de Deus entre nós.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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