São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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A numerologia da ciência

VANESSA DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Como avaliar a produção científica brasileira? O antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur, do Instituto Brasileiro de Informação e Ciência e Tecnologia do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), afirma que métodos usados para avaliar a produtividade e qualidade do trabalho de um cientista, como a cientometria, podem não se ajustar à realidade.
A cientometria é um dos métodos usados na avaliação da produção de um pesquisador. Usa dados numéricos para fazer essa medição, como o número de citações que um pesquisador teve num determinado período.
Quando um cientista publica o produto do seu trabalho -o "paper" ou artigo científico-, faz referência a outros trabalhos na mesma área, citando o autor desses estudos anteriores. Em teoria, quanto maior o número de citações que um trabalho recebe, maior a qualidade do pesquisador.
Autor o livro "A Arena Científica" (Editora Autores Associados, 196 págs, tel. 0192/39-5930), Zarur diz que métodos numéricos como a cientometria são "extremamente limitados". O antropólogo diz que essa limitação é mais evidente em países com problemas locais bastante específicos.
"O Brasil tem um baixíssimo número de citações quando se considera um problema local, por exemplo, um trabalho desenvolvido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) na área de agricultura", disse Zarur em entrevista à Folha.
Segundo ele, esse tipo de estudo é publicado em português, muitas vezes em folhetos que não chegam ao "Science Citation Index" reconhecido internacionalmente.
Segundo ele, embora possa ter um baixo número de citações, o estudo pode ter um impacto e importância relativa muitas vezes maior para o país que trabalhos, embora importantes, publicados pela "Physical Journal", uma das principais revistas de física teórica.
"Daí vem a preocupação com o sistema de avaliação das universidades no nível puramente quantitativo." Para Zarur, a cientometria, embora apresente vantagens, como medir o tamanho e a velocidade do desenvolvimento da ciência, dá só um mapa preliminar.
O pesquisador afirma que a maior desvantagem é o fato de a cientometria se basear só em números. Para ele, o número de citações considerado isoladamente como índice de produtividade de um cientista representa "uma das mais sérias distorções da política da ciência e tecnologia".
O antropólogo menciona, entre as distorções, a citação chamada negativa. Um cientista pode ser citado inúmeras vezes, mas negativamente, por outros cientistas.
Embora com alto número de citações, o índice pode dar a impressão de que esse cientista produziu um artigo "de qualidade".
"Já um trabalho científico eventualmente com dificuldades de ser publicado devido à sua originalidade, ou pouco citado, pelo mesmo motivo, pode significar uma revolução científica."
A maior parte dos trabalhos aceitos por publicações internacionais, diz, pode acabar repetindo "padrões" que dominam um dado momento da história da ciência.
Para Zarur, a cientometria não pode ser desprezada. "Mas tem de ser colocada no seu lugar".
O pesquisador acredita que métodos de avaliação devem ser contextualizados. Ele cita o problema enfrentado por universidades das regiões Norte e Nordeste.
"Por exemplo, fecha-se uma universidade porque ela não tem uma produção muito evidente." Mas, diz Zarur, a universidade pode ter grande importância regional.

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