São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Intelectual ataca Roudinesco nos EUA

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

"É uma pena que Elisabeth Roudinesco não tenha vivido um século atrás, porque ela teria sido um caso exemplar de histeria para Freud estudar."
É assim que Peter Swales, o coordenador da petição enviada por 50 intelectuais à Biblioteca do Congresso a respeito da exposição sobre Freud que ali seria promovida este ano, avalia artigo de Roudinesco publicado pela Folha há um mês na seção "Autores" (Mais! de 28/1/96).
A exposição, que seria a mais completa já realizada sobre Freud, foi adiada por período ainda indefinido. Oficialmente, por insuficiência de verbas. Mas, alegam Roudinesco e outros, por causa da pressão política de intelectuais "revisionistas" da psicanálise.
Roudinesco em seu artigo classifica a petição como "de uma violência inaudita". Swales enviou à Folha cópia do documento, datado de 31 de julho de 1995 e endereçado a James Hutson, na Biblioteca do Congresso.
Em dois parágrafos, os signatários propunham a inclusão do pesquisador Henry Cohen na comissão organizadora da mostra para que ela pudesse "refletir adequadamente todo o espectro de opiniões bem informadas sobre o status da contribuição de Freud à história intelectual".
A Folha comprovou que a petição foi escrita em termos respeitosos e não contém ataques nem à comissão organizadora da mostra nem a Freud.
Por que, então, Roudinesco disse que ele é "de uma violência inaudita"? Segundo Swales, ou Roudinesco leu a petição e resolveu mentir a seu respeito, ou não a leu e mentiu ao indicar que a havia lido.
Swales, 47, diz não conhecer Roudinesco pessoalmente, mas já tê-la ajudado, enviando-lhe material sobre Jacques Lacan por ele descoberto e incluído no livro dela "Jacques Lacan - Esboço de Uma Vida, História de um Sistema de Pensamento", publicado no Brasil pela Companhia das Letras.
"Tudo o que eu li escrito por Roudinesco me levou a crer que ela é absolutamente estúpida", diz Swales.
Para ele, Roudinesco foi vítima de uma "epidemia psíquica" que afetou centenas de psicanalistas pelo mundo a partir do episódio da mostra.
"Em novembro, o curador da exposição, Michael Roth, entrou em pânico devido à polêmica gerada pela nossa petição e começou a descrever o documento como censura. Outros, que nunca leram o que escrevemos, começaram a repetir que se tratava de censura", diz Swales.
A primeira reportagem sobre o assunto apareceu em meados de novembro na revista acadêmica "Lingua Franca". Quando o jornal "The Washington Post" começou a investigar o caso, a Biblioteca do Congresso convocou reunião extraordinária da comissão organizadora e suspendeu a mostra.
Swales diz que os psicanalistas vivem "momento de grande insegurança porque seus clientes estão sumindo, sua prática tem sido objeto de crítica, muitos temem o futuro. Por isso, resolveram assumir a psicologia da vitimização e agora dão esse espetáculo de delírio e histeria".
Segundo ele, "isso é a pior coisa que poderia ter acontecido a eles: agora, estão passando por bobos aos olhos do público".
A documentação enviada por Swales à Folha mostra que a Biblioteca do Congresso agradeceu o envio da petição, pediu sugestões aos signatários e prometeu uma resposta ao seu pedido, até agora não recebida.
Entre as pessoas que subscreveram o documento estão o médico Oliver Sacks e a feminista Gloria Steinem. Entre os integrantes da comissão organizadora, estão o historiador Peter Gay e o psicanalista Harold Blum, diretor-executivo dos arquivos de Freud.
Swales afirma que não partiu dele nem de nenhum dos signatários a iniciativa de procurar a revista "Lingua Franca" para discutir o assunto.
A biblioteca havia sido acusada antes de ter promovido uma exposição sobre a Alemanha, financiada em grande parte pelo governo daquele país, que segundo seus críticos era apenas um espetáculo de relações públicas.
A mostra sobre Freud contava com uma verba de US$ 230 mil do governo da Áustria, onde o "pai da psicanálise" nasceu.
Para Swales, um autodidata britânico que se classifica como "um arqueólogo de Freud", a maioria dos integrantes é "ignorante, não conhece história, não é cientista".
Como exemplo, diz que a mais recente data de inauguração da mostra anunciada pela biblioteca é agosto do ano 2000 para comemorar o centésimo aniversário do livro fundamental de Freud, "A Interpretação dos Sonhos".
"Eles não sabem que, embora a data que aparece na primeira edição do livro seja 1900, ele foi colocado à venda em 23 de outubro de 1899. Por que não, portanto, inaugurar a mostra em outubro de 1999?", pergunta.
Embora a petição original não contenha ataques a ninguém, o debate público gerado por ele nos EUA tem tido momentos de intensa agressividade verbal trocada entre os grupos "ortodoxo" e "revisionista" de estudiosos da psicanálise e de Freud.
Swales e os psicólogos Daniel Burston (da Universidade Duquesne), Adolf Grunbaum (da Universidade de Pittsburgh), Frederick Crews (da Universidade da Califórnia), Mikel Borch-Jacobsen (da Universidade de Washington) e Frank Sulloway (do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) se dizem dispostos a responder a seus críticos "em qualquer lugar do mundo".
"Eles não têm nenhum senso de responsabilidade, estão agindo de má-fé" , diz Swales sobre os freudianos ortodoxos. "Eles são notórios por se evadirem de seus críticos, colocarem dissidentes no ostracismo, silenciarem testemunhas da história".
Swales acusa os seus críticos de terem "ignorantemente se apressado em julgar" a petição com base na cobertura jornalística do incidente, em especial texto publicado pelo "The New York Times" por Anthony Lewis, segundo o qual o documento pretendia "suprimir as idéias de Freud".
A petição que deu origem à celeuma diz que eles todos estavam apenas "preocupados com que a mostra sobre Freud... retrate corretamente o atual estágio do conhecimento sobre seu tema".
Ao anunciar a suspensão da mostra, a biblioteca disse que ela seria inaugurada em 1997. Depois, a data passou para 1998. Agora, 2000. Muitos em Washington acham que ela nunca irá acontecer.

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