São Paulo, terça-feira, 27 de fevereiro de 1996
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Bem-vindo verdugo

JANIO DE FREITAS

O mais raro dos acontecimentos entre os habitantes dos palácios brasilienses -uma atitude de altivez, à maneira das pessoas de caráter- não apenas aconteceu ontem, mas aconteceu pelo menos três vezes. Sejamos gratos ao pequeno verdugo Alberto Fujimori, por proporcionar a ocasião para o inesperado tão benfazejo.
O extraordinário sempre suscita versões diferentes. Uma delas, no caso, confere ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Sepúlveda Pertence, a origem da sequência de recusas a receber o arremedo de ditador. Informado a respeito pelo próprio Sepúlveda, seu amigo José Sarney aderiu à atitude, recusando-se a receber Fujimori no Congresso. E de Sarney a recusa chegou ao presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães.
A outra versão atribui a comunhão de repúdios a uma combinação, de paternidade não identificada. Por mim, fico com a primeira. Mas a diferença é mínima e em nada influi no essencial. Nem em qualquer plano mais além da atitude em si. Os três, e quaisquer outros, estão a salvo dos castigos pessoais e institucionais que o presidente Geisel aplicou ao então deputado e sempre brioso Francisco Pinto, por atitude semelhante, porém tomada isoladamente, em relação ao ditador Pinochet.
Sim, Sarney apoiou a ditadura aqui, apoiava Geisel quando dos castigos sofridos por Chico Pinto, continuou apoiando depois. Mas se hoje toma uma atitude de repulsa ao golpista que fechou o Congresso de seu país, fechou o Supremo Tribunal peruano, acabou com a democracia constitucional peruana, mantém inúmeros presos por alegado crime de oposição ou crítica -não custa reconhecer e louvar a diferença entre o Sarney de anteontem e o da nova atitude. Não é o primeiro sinal de que o tempo tem feito bem a Sarney.
Lembre-se, para ilustrar o sentido de sua mudança, a de uma outra pessoa que, oposicionista da ditadura quando Sarney nela figurava, beneficiário do discurso democrático, dado como de esquerda, lá se foi à segunda posse de Fujimori, no ano passado (depois da eleição assegurada pelo uso massacrante do poder). Se bem que pudesse fazer-se representar, foi à posse em Lima, digamos, como dever diplomático de presidente.
Mas o dever diplomático não incluía os episódios, em uma solenidade e no banquete, em que teve a exclusividade de chamar o pequeno verdugo, e publicamente, de " grande democrata". Para pasmo até dos outros que também se davam aos salamaleques do dever diplomático, mas sem chegarem a desfazer-se da compostura.
Que venha Fujimori, que venha muitas vezes. Seus admiradores planaltinos sempre lhe oferecerão as homenagens adequadas ao encontro de dois "grandes democratas". E a nós outros dará a oportunidade de ver se tornarem menos raras as atitudes raras nos habitantes dos palácios e palacetes brasilienses.

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