São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tiros nas auditoras

CELSO PINTO

O festival de fraudes nos bancos Nacional e Econômico pode não ter um final feliz para as empresas de auditoria que endossaram suas contas, a KPMG e a Ernst & Young, respectivamente. Nem aqui, nem nos Estados Unidos.
O fato é que entre os acionistas dos dois bancos estão investidores estrangeiros, ou brasileiros baseados no exterior, que compraram as ações por meio do instrumento legal apropriado, o Anexo 4. Entre eles estão alguns dos maiores fundos de investimentos internacionais.
O que se comenta é que alguns desses investidores poderão abrir ações contra as empresas de auditoria nos Estados Unidos. Ou, alternativamente, abrir uma ação no Brasil e acionar as empresas de seguro que cobrem perdas legais dessas empresas de auditoria nos Estados Unidos.
Ambas as alternativas são avaliadas por grandes escritórios de advocacia como factíveis e eficazes.
Processos desse tipo são comuns nos países desenvolvidos. A "International Accounting and Auditing Trends" uma publicação especializada, publicou recentemente uma lista de 100 casos recentes de processos contra empresas de auditoria em 12 países.
A lista é muito interessante. A campeã de processos é a KPMG, a mesma empresa de auditoria que não notou, durante 20 anos, a montagem de uma fraude de R$ 5 bilhões no Banco Nacional. Dos 100 processos, a KPMG é ré em 18 processos.
Em segundo lugar, com 16 processos cada, estão a Coopers & Lybrand e a Deloitte, Touche & Tomatsu. Em seguida, com 13 processos, vêm a Ernst & Young, auditora do Banco Econômico, a Price Waterhouse, com 12 processos, e a Arthur Andersen, com 11 processos. Outras auditoras de menor peso respondem pelos 14 processos restantes.
A principal razão para os processos é, de longe, a negligência profissional (27 entre os 100 processos), e as campeãs em processos por negligência são a KPMG (cinco casos) e a Ernst & Young (cinco casos).
As outras principais razões para os processos são demonstrações financeiras enganosas (18 casos), aplicação de métodos impróprios de auditoria (16), incapacidade em detectar discrepâncias (15), incapacidade em detectar fraude (dez), incapacidade em advertir para negócios desfavoráveis (sete), má gestão da empresa auditada (três), empresa auditada acusada de receber suborno (duas) e conspiração entre empresas (uma).
Não é difícil imaginar em quantas destas rubricas caberiam processos nos casos do Nacional e do Econômico. A propósito, para quem ficou curioso, os dois processos envolvendo empresas auditadas acusadas de receber suborno envolvem a KPMG e a Deloitte, Touche & Tomatsu.
Metade dos processos contra empresas de auditoria envolvem instituições financeiras. Destes processos, 11 envolvem a KPMG.
Os Estados Unidos são, de longe, os campeões nesses processos. Do total de 100 casos, 35 foram abertos nos Estados Unidos. É nos Estados Unidos, a propósito, onde se discute, hoje, regras muito mais duras para empresas de auditoria que esbarram em fraudes, ou indícios de fraudes.
No Brasil, são raros os processos contra empresas de auditoria, razão pela qual o seguro que protege os sócios dessas empresas contra perdas em ações legais ainda é baixo. Instrumentos legais existem, na Lei das S.A., na Lei do Colarinho Branco e até no artigo 159 do Código Civil, que diz que quem causar prejuízos a terceiros tem de repará-los.
Da mesma forma, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) tem poderes legais tanto para responsabilizar as empresas de auditoria quanto para descredenciá-las.
Os casos dos bancos Nacional e Econômico, pelas suas dimensões, podem vir a ser um divisor de águas na vida das empresas de auditoria no Brasil. A impunidade e até o desinteresse de prejudicados em responsabilizar os auditores fez com que, durante muito tempo, os balanços fossem uma ficção.
Isso pode estar começando a mudar. O setor, certamente, está inquieto.
Processar as auditoras não exclui, obviamente, a responsabilidade, ainda maior, da fiscalização do Banco Central no desastre dos bancos. Um grande acionista do Econômico está apenas esperando a conclusão das negociações com o Banco Excel para abrir um processo contra o BC.
Vai alegar que, durante um ano e meio, enviou por escrito pedidos de esclarecimento à diretoria do BC, todos negados sob alegação de sigilo bancário. Vai alegar, ainda, que o BC não teve amparo legal para assinar um protocolo com os controladores do Econômico, em 94, que aceitava que o banco ficasse com patrimônio líquido negativo por cinco anos.

Texto Anterior: Secretário é pessimista sobre Brasil na ONU
Próximo Texto: Governo faz operação para abafar CPI
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.