São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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Futebol não respeita o direito de ir e vir

MARTORELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A sentença proferida pela Alta Corte de Justiça Européia em favor de Jean- Marc Bosman, no processo contra o Liège, da Bélgica, abalou profundamente as relações trabalhistas entre atletas e clubes de futebol naquele continente.
Mas qual seria o reflexo desse episódio aqui no Brasil?
Todos que acompanham o futebol brasileiro sabem que a relação de emprego existente aqui é a Lei do Passe.
O que a maioria não sabe é que ela submete os atletas (a grande maioria deles) a situações absurdas e desumanas.
Fala-se muito que os atletas de futebol formam uma categoria desunida. Então, como reivindicar melhores condições de trabalho, maior intervalo entre jogos, segurança, se é sabido que, ao longo do tempo, os que se "atreveram" sofreram retaliações amparadas pela Lei de Passe.
Quase todos as outras classes profissionais são mais organizadas. Isso só acontece porque podem se manifestar contra aquilo que pensam não ser adequado.
Quando não atendidos, simplesmente mudam de empregador. Essa é a liberdade constitucional de ir e vir que não é respeitada na esfera futebolística.
E o que leva as "forças ocultas" a não medir esforços para manterem a lei?
Infelizmente, no mundo do futebol, os atletas são os que menos ganham. Pior que isso, a maioria dos clubes vive no "vermelho". Para onde vai esse dinheiro, ninguém sabe.
Encontramos, então, o primeiro, e talvez o maior, motivo para que defendam sua manutenção de maneira fervorosa.
A extinção da lei provocaria a reestruturação e reorganização no futebol brasileiro. É aí que se percebe um grau de resistência. Por que querem continuar com a estrutura desordenada? Difícil entender.
Na Europa, o caso Bosman trouxe maior liberdade de escolha. Não havendo mais indenizações entre clubes, facilitou o trânsito dos atletas, que viram donos do destino após o contrato.
Aqui, a idéia de extinção assusta alguns atletas, o que é muito natural. Só depois perceberão o quanto é importante participarem ativamente das decisões que são tomadas sobre si.
Outra realidade brasileira é que só grandes clubes detêm os passes dos atletas. No interior, os clubes só têm as equipes na vigência do campeonato.
Um dos argumentos para se manter a Lei do Passe é que só os atletas renomados iriam se beneficiar com ela. As categorias juvenis tenderiam a acabar.
Mas os clubes não fornecem aos atletas condições de desenvolvimento, como alimentação adequada e educação. Também é lógico que o talento não está vinculado ao clube. O craque continuará a ser revelado, mesmo em clubes pequenos. Daí, interessando a outros times, poderá conseguir melhores condições de salário.
Espero que o caso Bosman venha despertar os legisladores brasileiros para um problema inconstitucional e que merece uma solução definitiva: a Lei do Passe.

Rinaldo José Martorelli, 33, ex-goleiro do Palmeiras, é presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo

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