São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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'Jenipapo' une luta pela terra e drama ético

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: Jenipapo
Produção: Brasil/EUA, 1995
Direção: Monique Gardenberg
Elenco: Henry Czerny, Patrick Bauchau, Julia Lemmertz, Miguel Lunardi e Marília Pêra
Onde: no Espaço Unibanco 2, Olido 3 e Lumière 1

"Jenipapo", o longa-metragem de estréia de Monique Gardenberg, tem três grandes méritos: conta uma boa história; é uma boa produção, em que a escassez de recursos não compromete o resultado; seu tema de fundo -o movimento dos sem-terra- é a grande questão social hoje no Brasil.
O argumento, da própria diretora, é muito forte. Às vésperas da votação de uma lei anti-reforma agrária, o principal defensor dos sem-terra, o padre Stephen Louis (Patrick Bauchau), mergulha num silêncio inexplicável.
Um jornalista americano, Michael Coleman (Henry Czerny), decide entrevistá-lo a todo custo. Lê, vê e ouve tudo sobre o padre. Conhece a fundo suas idéias e atitudes. Torna-se um obcecado.
Depois de inúmeras tentativas frustradas de entrevistar o padre, Coleman apela para um lance delituoso e genial, que não convém contar aqui, e que vai mudar radicalmente sua vida, a do padre e a do país. É a partir desse momento que o filme cresce em tensão, dramaticidade e implicações éticas.
Os principais defeitos de "Jenipapo" aparecem antes desse momento crucial.
Que defeitos são esses? Em primeiro lugar, um defeito de construção, ou de roteiro.
Coleman se perde num sem-número de tentativas vãs de se aproximar de Stephen Louis: namora a assessora (Julia Lemmertz) de um senador (Otavio Augusto), seduz uma ajudante do padre (Marília Pêra), encontra-se clandestinamente com um militante sem-terra num cine pornô etc.
Isso tudo é não apenas inútil (o que poderia ter um sentido dramático), como também ilógico. O padre está onde sempre esteve: em sua paróquia em São Gonçalo, no Recôncavo Baiano, onde continua rezando missas e distribuindo comida entre os pobres. O repórter (e o espectador) teria poupado tempo e energia se tivesse ido diretamente para lá.
Esse diversionismo gratuito, além de dispersar a atenção do público, contribui para acentuar um certo artificialismo dos personagens e da ambientação -problema que já começa com a mistura meio sem critério de línguas (português e inglês) e a figura pouco convincente do repórter americano de um jornal brasileiro.
Menos convincente ainda é a personagem de Marília Pêra, devota da causa dos pobres que, ao ser seduzida pelo repórter, vira de repente uma afetada perua -tão deslocada quanto a canção idiotinha cantada por Suzanne Vega em dois momentos de "Jenipapo".
Num filme que se pretende realista e verossímil, esses problemas são graves. Mas nunca é demais insistir: a partir de seu "ponto de virada", "Jenipapo" se torna um drama moral intenso e envolvente, com momentos brilhantes -como o encontro casual entre o jornalista e o padre na rua, a "aparição" do capanga chamado Cristo (Luís Melo), a transmissão televisiva do depoimento do padre etc.
É quando se torna o embate moral entre dois homens, e deles consigo mesmos, que o filme merece ser visto.

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