São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gastos sociais favorecem mais os ricos

CELSO PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Os gastos sociais no Brasil ajudam mais os mais ricos do que os pobres.
Enquanto os 20% mais pobres ficam com 15% dos gastos sociais, os 20% mais ricos levam 21%. O resto é distribuído de forma uniforme nas camadas intermediárias.
Essa é a mais surpreendente conclusão de uma dura radiografia do problema da pobreza no Brasil feita pelo Banco Mundial no ano passado ("Brazil, a Poverty Assessment").
Para acabar com os 24 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, ou 17,4% da população em 1990, não basta colocar mais dinheiro na área social. É preciso fazer o dinheiro chegar aos pobres, acabar com a ineficiência, o desperdício e má administração.
O ministro do Planejamento, José Serra, responsável pela elaboração e controle do Orçamento da União, concorda com o diagnóstico. Ele acha que a Constituição de 88 "criou um sistema escandinavo que vai para a classe média".
Privilégio da Previdência
O maior exemplo são os privilégios criados na Previdência Social. Mas esse viés em favor da classe média, segundo Serra, acontece tanto na saúde quanto na educação e na habitação.
O estudo do Banco Mundial (Bird) tem exemplos impressionantes. A educação é a arma mais eficaz não só para acabar com a pobreza, mas também para melhorar a distribuição de renda.
No Brasil, no entanto, os gastos públicos com educação são regressivos, ou seja, quanto maior a renda do estudante, mais ele leva.
Não se trata apenas do problema conhecido do uso gratuito das universidades públicas pelos mais ricos, onde um aluno, como lembra o ministro do Planejamento, custa 18 vezes mais do que um aluno que cursa o primeiro grau.
Todo o sistema é enviesado em favor dos mais ricos, ao contrário de países como o Chile, a Colômbia e a Malásia. Dividindo a população em cinco fatias, conforme a renda, a mais pobre fica com 16% dos gastos, a segunda com 18%, a terceira com 20%, a quarta com 22% e a quinta com 24%.
No Chile, por exemplo, enquanto os 20% mais pobres ficam com 35% dos gastos, os 20% mais ricos recebem apenas 7%.
No Brasil, só um terço das crianças chega a completar o primário (que corresponde aos quatro primeiros anos do primeiro grau), comparado a 99% na Coréia e 96% na Malásia. Por quê?
Repetência escolar
Um "círculo vicioso", argumenta o estudo elaborado pelo Bird. Como a distribuição de renda é selvagem, as crianças mais pobres trabalham mais cedo e suas famílias têm poucos recursos para manter os filhos da escola, mesmo que ela seja gratuita.
A repetência é altíssima (leva-se 7,7 anos, em média, para concluir os quatro anos iniciais do primeiro grau).
Os dois fatores fazem com que a frequência escolar dos mais pobres seja baixa, perpetuando a miséria.
Sem investimentos em qualidade de ensino e programas de ajuda aos mais pobres -tanto oferecendo bolsas para colocar os filhos na escola, como ajuda para compra de material, uniformes, transportes etc-, não se resolve o problema.
Essa, aliás, é uma conclusão genérica. O problema da pobreza no Brasil não é apenas de dinheiro.
Em 1990, os gastos sociais dos governos federal, estadual e municipal, somavam 19% do PIB (Produto Interno Bruto, que corresponde a toda a riqueza produzida no país).
Essas despesas caíram nos dois anos seguintes, mas devem ter recuperado esse nível depois da estabilização da economia provocada pelo Plano Real.
O ministro Serra lembra que estudos da década de 80 indicavam que os gastos sociais privados chegavam a 7% do PIB.
Como diz o Banco Mundial em seu estudo, esse nível de gasto é razoável quando comparado a outros países em desenvolvimento de porte semelhante. Só que o dinheiro não chega onde deveria, razão pela qual os indicadores sociais no Brasil estão entre os piores do mundo.
Vive abaixo da linha de pobreza, na definição do estudo, quem não tem renda familiar para comprar um cesta de alimentos com o nível mínimo de calorias necessário.
Se o governo conseguisse identificar cada um dos 24 milhões de miseráveis e desse a eles a diferença necessária para atingir a fronteira da pobreza, gastaria apenas 0,8% do PIB .
É claro que isso é muito difícil. Mas também é verdade que, como diz o estudo, "simplesmente aumentar os recursos alocados aos gastos sociais pouco fará para aliviar a pobreza".
Gastar é fácil
É uma conclusão com a qual Serra também concorda. Só que essa é uma mudança politicamente muito mais difícil. "Fácil, na área pública, é aumentar gastos", diz ele, "difícil é realocá-los".
Para isso, é preciso mexer em privilégios, o que significa que grupos sairiam perdendo. "Hoje, uma professora universitária se aposenta com 25 anos, recebe 20% de aumento ao se aposentar e é imediatamente recontratada", exemplifica o ministro. Mesmo sendo um privilégio evidente, é difícil obter apoio político para eliminá-lo.

Texto Anterior: Secretaria promete corrigir falhas em 96
Próximo Texto: Pobres estão no Nordeste
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.