São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Diretora comanda volta da 'Boca do Lixo'

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria do pornô nacional da "Boca do Lixo" está de volta a São Paulo e tem como rainha uma diretora de filmes.
Estela Santos, 28, uma típica paulistana classe média, é a primeira mulher a reinar nesse universo comandado por machões.
Depois de desaparecer no início dos anos 80, a "boca" trocou o cinema por fitas de vídeo. No seu retorno, além de ter mulher atrás das câmeras, pretende "humilhar" os estrangeiros.
Com uma "estética" nacionalista que beira a xenofobia, o novo pornô brasileiro tenta se vingar do produto internacional até mesmo nos enredos dos seus filmes.
Na fita "Sampa", por exemplo, dois americanos são levados a um nocaute erótico por duas brasileiras. Um dos atores convidados é a estrela do pornô internacional, Max Hardcore.
O patriotismo é tanto que só falta mesmo tocar o Hino Nacional durante as sequências "trash" de sexo explícito.
Esse filme é o símbolo da nova onda que surgiu no ano passado e deve alcançar o auge agora em 1996. Já foram produzidos cerca de 200 filmes.
A principal produtora e distribuidora é a Buttseller, localizada na avenida São João (região central de São Paulo), que tem feito uma média de um filme por semana.
Na sua primeira fita, a diretora Estela realizou um desafio "hardcore" para mostrar que o pornô nacional também pode ter os momentos de requinte e perversão só alcançados por fitas sadomasoquistas estrangeiras.
Isso aconteceu em "Iniciação de Estela no Clube O", com a própria diretora atuando também como atriz. No momento, ela prepara novas surpresas.
Crise do macho
No seu cardápio de temas para novos filmes, Estela destaca a presença do bissexualismo nos "tempos modernos" e a crise do macho -"um ser meio perdido em busca de um novo papel".
Para isso, ela precisa se capitalizar primeiro com filmes mais "hardcore", como "Iniciação de Estela".
Na fita, aparece o primeiro "fist" do pornô nacional -uso do punho no ato sexual.
A presença da diretora entre os homens que mandam nesse mercado é bem-vinda pelos diretores que fizeram sucesso na época de ouro da "Boca do Lixo", como Dorival Coutinho.
"Ela pode trazer uma delicadeza, uma simbologia que faz falta no pornô de hoje", diz o diretor.
Coutinho é autor do clássico dos anos 80 "Castelo das Taras" e está de volta a novas produções (leia texto nesta página).
Louca por cinema, Estela é fã de Woody Allen e do cinema erótico italiano. Assiste também a centenas de pornôs.
Justifica, no entanto, esse exercício: "É uma questão profissional. Tenho que aprender, acompanhar o que tem sido feito de bom e de ruim no Brasil e lá fora."
Tímida, Estela cruzou outro dia com um cineasta que admira, o paulistano Walter Hugo Khoury.
Ela disse não ter tido coragem de cumprimentá-lo. Um dos seus planos futuros, porém, é receber as suas lições.
O encontro aconteceu em um restaurante macrobiótico do largo do Arouche, no centro de São Paulo. "Já temos uma coisa em comum: não gostamos de carne", diz a bem-humorada diretora.
Nova geografia
Além da área central de São Paulo, conhecida como a antiga "Boca do Lixo", a região do ABCD, em São Paulo, Salvador (BA), Rio e Recife (PE) também se destacam na nova geografia do pornô.
"A volta do pornô nacional está ligada à recuperação da auto-estima do brasileiro", analisa Mário Lucena, um dos editores da revista "Brazil", o veículo oficial da indústria pornográfica.
Com 120 mil exemplares por mês, a revista revela "modelos" para os filmes e apresenta também estrelas já com uma vasta folha corrida nessas produções.
Todos os dias, a redação de "Brazil" recebe cerca de 300 cartas. A maioria é escrita por mulheres de todo o país, se candidatando para posar nuas e participar de filmes explícitos.
Foi por intermédio da revista que a matogrossense Mirella (nome artístico), 18, apontada como a "Lolita" do pornô, chegou ao sucesso nesse mundo. Já fez cinco filmes.
"No começo não gostava, mas agora já estou acostumada", diz.
Para Mirella e muitas outras meninas, a iniciação no pornô vem junto com a esperança de abrir as portas para a profissão de modelo ou atriz, por exemplo.
Elas sempre citam exemplo de estrelas, como Xuxa e Vera Fischer, que um dia participaram de filmes eróticos.
Para os homens, o interesse é mais imediatista e normalmente funciona como um "bico" para complementar o salário.
Carlos Guerra (nome artístico) é um dos mais ativos nesse ramo em São Paulo. Os cachês reforçam sua renda como agente de segurança.

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