São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Soropositivo enfrenta duplo preconceito

DE NOVA YORK

Além de lutar contra a Aids, os brasileiros soropositivos em Nova York têm que enfrentar o sentimento antiimigração, que não pára de crescer nos Estados Unidos.
Há 22,6 milhões de imigrantes no país, o que equivale a 8,7% da população. Isso significa que 1 em cada 11 habitantes das cidades norte-americanas não nasceu no país. Cerca de 5 milhões são ilegais.
A maioria dos imigrantes (41%) é de latinos (incluídos os brasileiros). Em segundo lugar, vêm os asiáticos (20% dos total).
Só no aeroporto John F. Kennedy (o maior de Nova York), cerca de 15 mil pessoas desembarcam todos os anos sem ter sequer passaporte.
O Congresso norte-americano está preparando uma nova lei de imigração que reduzirá os benefícios concedidos a imigrantes (de educação à assistência médica), além de tornar mais rígido o controle da entrada de estrangeiros.
O argumento dos antiimigrantes é de que boa parte da verba de previdência social e assistência médica é gasta com estrangeiros.
"Estão querendo nos transformar no bode expiatório dos problemas do país. Não precisa ser um gênio para prever que o corte no orçamento vai sobrar para nós imigrantes", diz o antropólogo João Fernade Resende, portador do HIV que vive nos EUA há dez anos.
"Se o próximo presidente for do Partido Republicano, nosso programa vai acabar. E os brasileiros serão os mais prejudicados, já que são em maior número", diz Wagner Denuzzo, assistente social do programa que atende imigrantes ilegais soropositivos no Hospital Saint Vincent, em Nova York.
Uma série de benefícios já estão sendo cortados por causa das restrições orçamentárias do governo federal, atingindo soropositivos americanos e estrangeiros.
Os gastos com analgésicos, por exemplo, agora são responsabilidade dos pacientes. O tratamento psicólogico também está sob ameaça. "A vida do imigrante soropositivo está ficando cada vez mais difícil e o futuro é imprevisível", afirma Denuzzo.
A obtenção do "voluntary departure" também se torna complicada. Para poder se candidatar ao programa, o imigrante precisa estar há pelo menos sete meses no país e provar que está doente. Antes, bastava ser soropositivo.
"O brasileiro que chegar aqui já precisando de ajuda médica terá que esperar quase um ano para começar a receber benefícios. Antes disso, ele poderá ser atendido nos hospitais para tratar de doenças, mas não conseguirá os remédios nem as outras vantagens do voluntary departure", diz Denuzzi.
Quase todos os programas para imigrantes ilegais que são soropositivos vivem o mesmo dilema: são pouco conhecidos pela comunidade, mas não podem investir em propaganda para não ser alvo dos antiimigrantes.
"Sabemos que há muitos estrangeiros HIV positivo que desconhecem a existência do programa ou têm medo de vir até aqui porque são ilegais. Só que, se divulgarmos o serviço, nossa verba vai terminar sendo cortada", afirma Denuzzi.
Nova York é o único Estado dos EUA em que a prática do "voluntary departure" é comum.
Nos outros Estados, os imigrantes soropositivos são atendidos apenas em casos de emergência. Por isso, muitos se mudam para Nova York quando ficam doentes.
Foi o que fez o carioca Marco Aurélio Silva, 38, que vive nos EUA desde 91. Logo que chegou, foi morar em Rhode Island (Estado vizinho a NY), onde era garçom.
"O primeiro sintoma de Aids que tive foi uma meningite. Fiquei dois meses hospitalizado e nunca me recuperei totalmente. Trabalhava o dia todo, mas não economizava nada porque gastava horrores em remédios." Aconselhado pelos médicos de Rhode Island, ele se mudou para Nova York.

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