São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Grama, neto de Cruz

LUÍS NASSIF

Se os desapontamentos ressecaram sua crença na política e nos políticos, deveria ter conhecido o Grama. A afetividade discreta e a simpatia contagiante o cativariam na primeira conversa.
Haveria necessidade de tempo um pouco maior para perceber estar frente ao prefeito de Campinas, tal a simplicidade no trato, a ausência de pompa e mesmo a falta de carisma e do verbo fácil dos demagogos.
Se soubesse, então, de seu empenho e seriedade, da paixão que imprimia ao seu tra balho, do prazer de construir e ajudar, da sensibilidade social e da lisura de suas ações, as desconfianças aumentariam.
O sujeito era capaz de viajar 100 quilômetros para conversar com dois eleitores para, sendo eleito, simplesmente poder ajudar. Seria possível, mais ainda em Campinas, cidade tão paradoxal que, tendo um dos eleitorados mais politizados do país, consagrou permanentemente nas urnas alguns dos nomes mais polêmicos da política brasileira?
A surpresa seria menor se, antes do Grama, você tivesse conhecido seu avô, Amâncio Cruz, comerciante de São Sebastião da Grama, tão prolífico de exemplos quanto de filhos -16 do primeiro casamento e três do segundo, com a sobrinha Djanira, que morreu há dois meses. Ou o tio Araken, primo de Djanira, que morreu há quatro meses. Nas duas vezes em que foi prefeito de Grama, sempre teve ajuda do sobrinho. É bem provável que você não tenha ouvido falar de Amâncio, nem de Araken, nem de São Sebastião da Grama, cidade tão simpática e pequena que, na campanha do brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência, não conseguiu ser localizada pela Esquadrilha da Fumaça, que acabou indo fazer evoluções por engano na vizinha e rival Caconde.
Mas, se não conheceu, certamente ouviu falar do José Ro berto Magalhães Teixeira, filho de Adalberto Magalhães Teixeira, de Andradas, e de Iracema Cruz, filha do patriarca Amâncio, nascido e criado em Andradas e Grama e formado em odontologia e política em Campinas.
Meses atrás, um câncer raríssimo atacou seu fígado. Os especialistas da Unicamp explicam que, em geral, o câncer chega ao fígado depois de se iniciar em outra parte do corpo. O de Grama foi fulminante, direto ao fígado.
Mesmo assim, em sua casa em Campinas, era possível encontrá-lo despachando diariamente, rosto afilado pela doença, mas os olhos sempre vivos, sempre brilhando, principalmente quando relatava orgulhoso o trabalho de sua equipe, se desdobrando para suprir a ausência do chefe. Quem pensasse em visitá-lo para arrancar recordações do passado ou lamentos em relação à doença poderia tirar o cavalinho da chuva. A grande Campinas, as pequenas Grama e Andradas choravam de dar dó, sabendo que o filho querido não tinha mais que dois meses de vida. Mas o Grama só queria saber de olhar para frente, de traçar planos de vida e de fé. Parte dessa fé lhe foi infundida por Thomas Morton, um vidente de Pouso Alegre que inundou seu quarto de uma luz fosforescente, injetou energia por meio de seus dedos e deixou durante dias um aroma forte de bálsamo por toda a casa. Morton avisou que apenas lhe infundira uma carga de energia capaz de lhe trazer bem-estar, não a cura.
Mas a fé de Grama ia muito além. Estava, entre outros, na cozinheira do restaurante que frequentava em Campinas, que foi de ônibus até sua casa levar uma comidinha feita após o expediente.
Se você quiser saber de que matéria é composto o verdadeiro homem público, entender o que motiva uma pessoa a fazer da política sua profissão, tendo como única vantagem a satisfação de contribuir, poderia recolher muitas histórias sobre o Grama na quinta-feira à noite, quando morreu.
Como o episódio relatado pelo amigo José Eduardo Aguirre, um advogado de Bragança, que relutava em se candidatar a prefeito da cidade, para não interromper sua carreira. Certa noite, recebeu telefonema de Grama, que lhe passou uma reprimenda suave: "Você precisa pensar menos em seus interesses pessoais e lembrar de tudo o que a cidade lhe deu e entender que é hora de retribuir".
O Zé decidiu ir em frente.

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