São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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"Blade Runner" ou "Jetsons"?

GILSON SCHWARTZ
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Pergunta - O futuro do trabalho vai se parecer com o quê -"Os Jetsons" ou "Blade Runner?"
Resposta - (rindo) Será uma combinação de busca por um emprego, muita incerteza e a necessidade absoluta de aprender no próprio trabalho.
Pergunta - Isso soa mais como "Blade Runner".
Resposta - O tipo de conhecimento que só pode vir da experiência está sendo cada vez mais valorizado. Obviamente é preciso ter o básico -grau universitário-, mas as tecnologias estão mudando tão rápida e repentinamente, que novas oportunidades surgem a toda hora, sem aviso prévio. É preciso ter esperteza, experiência. Vivo dizendo aos jovens: procurem um chefe que se disponha a ensinar vocês, mesmo que para isso tenham que ganhar um pouco menos.
Pergunta - As probabilidades de termos, digamos, dez empregos na vida serão maiores do que de termos apenas dois ou três?
Resposta - Sim. A previsão é que entre os 20 e os 30 e poucos anos de idade as pessoas passem boa parte do tempo mudando de um emprego a outro, e também de um ramo de atividade a outro. As pessoas estão mudando muito mais frequentemente de ocupação do que era comum antigamente.
Pergunta - Por necessidade ou porque querem?
Resposta - Em grande medida por necessidade -não encontram o emprego com o qual sonhavam. Mas as fronteiras entre ocupações são muito mais porosas hoje em dia. Onde termina a indústria das comunicações e começa a indústria do entretenimento? Onde termina a indústria da computação e começa a indústria das comunicações? Os melhores empregos são aqueles que estão nas linhas divisórias entre duas indústrias.
Pergunta - Cite cinco carreiras que se tornarão obsoletas dentro em breve.
Resposta - Os telefonistas estão dando lugar à automação, caixas de banco às máquinas de atendimento automático dos bancos, frentistas a bombas de gasolina automatizadas...
Pergunta - No fim das contas a tecnologia acaba por tirar mais empregos do que ela cria?
Resposta - Não. A tecnologia é sua amiga se você possui os créditos educacionais necessários para utilizá-la, e sua inimiga se você não os possui. As pessoas dizem que os empregos em fábricas estão acabando nos EUA, mas não é verdade. Há uma demanda crescente por trabalhadores capazes de usar, por exemplo, máquinas operatrizes controladas por computador.
Pergunta - Quando a tecnologia é nossa inimiga?
Resposta - A tecnologia será sua inimiga se você trabalhar numa organização cuja direção a usa apenas para controlar os funcionários. É o caso, por exemplo, das salas dos fundos de muitas empresas financeiras, de marketing, telemarketing e seguros.
São "fábricas" de alta tecnologia, repletas de "operários" mal pagos que passam o dia inteiro digitando em teclados, inserindo dados em computadores. Muitas vezes eles são monitorados eletronicamente. Nesses ambientes, a tecnologia prende as pessoas, é...
Pergunta - É opressiva.
Resposta - Mas a tecnologia é sua amiga se você trabalha em um ambiente que delega responsabilidades às pessoas que estão mais próximas da tecnologia. Já estive em empresas onde "workstations" estão conferindo tanta autonomia aos funcionários que eles não apenas se sentem livres e criativos, como também exercem muito controle sobre suas próprias vidas. Isso inclui mais trabalho em casa. Horário de trabalho flexível, local de trabalho flexível.
Pergunta - O senhor acha que dentro de 20 anos todos nós seremos free-lancers?
Resposta - Bem, estamos indo nessa direção. As grandes empresas estão terceirizando o trabalho -isto é, subcontratando uma parte maior do que fazem de pequenas empresas e free-lancers. E não vamos romantizar o trabalho do autônomo, do free-lancer. A maioria deles preferiria ter mais segurança no emprego. O tempo deles não pertence a eles. Se você é autônomo, fica dia e noite às ordens das organizações que porventura venham a precisar de seus serviços. Um free-lancer, um autônomo, podem passar uma parte importante de seu dia fazendo escolhas relativas a assistência médica, pensões e aposentadorias, preenchendo papeladas burocráticas ou procurando e combinando o próximo trabalho.
Pergunta - Quer dizer que a segurança no emprego será, basicamente, obsoleta.
Resposta - A segurança no emprego é coisa do passado. Vai ser muito difícil para os jovens preverem que dentro de dois, cinco ou dez anos terão uma certa renda e uma certa poupança. Isso faz com que seja mais difícil fazer todas aquelas coisas que exigem pelo menos um certo grau de confiança em relação ao futuro. A maioria das pessoas vai ingressar no que eu chamo de "a classe ansiosa".
Pergunta - Quais são as boas notícias em relação ao trabalho?
Resposta - A economia vai bem, os lucros estão em alta, a atividade econômica está em alta, há muitos empregos abertos aí fora. Há oportunidades para quem tem espírito empreendedor -mercados de nicho estão surgindo em quase todos os ramos de atividade. E os jovens não são obrigados a aceitar a vida burocrática que muitos de seus pais tiveram que enfrentar.
Pergunta - Como um trabalhador ou trabalhadora pode se proteger contra a exploração?
Resposta - A melhor proteção é possuir habilidades e conhecimentos para os quais há demanda. Nada substitui você ser alguém de quem o mercado precisa.
Pergunta - Sim, mas o que eu quero dizer é: será que realmente ainda podemos esperar que o governo proteja os trabalhadores, ou, basicamente, temos que lutar por nós mesmos, cada um por si?
Resposta - O papel do governo mudou. Nas décadas de 30 e 40 o governo estabeleceu padrões mínimos para que as pessoas recebessem um salário mínimo. Nos anos 50 e 60 o governo adotou o Medicare e o Medicaid, fornecendo uma rede de garantia de atendimento médico e legislação antidiscriminatória. Hoje, o papel do governo é construir pontes entre a economia velha e a nova. Ainda há pessoas demais que não possuem as habilidades necessárias, educação suficiente ou cobertura de pensões e aposentadorias, ou então que estão perdendo seu direito à assistência médica, e que simplesmente se sentem impotentes para fazer qualquer coisa em relação a tudo isso. O governo precisa assegurar que essas pontes sejam fortes.
Pergunta - Que tipo de pontes?
Resposta - Estágios e aprendizados feitos enquanto os jovens ainda estão na escola, para que os jovens que não vão fazer faculdade tenham qualificações úteis, aprendidas no próprio trabalho. Um sistema de reemprego -assistência na busca de emprego, aconselhamento na busca de emprego, formação para o trabalho. A concessão de empréstimos diretos a estudantes, com pagamento condicionado a sua renda, de modo que as pessoas possam conseguir treinamento adicional a qualquer momento numa escola técnica ou faculdade comunitária e pagar o empréstimo como porcentagem de sua renda futura.
Pergunta - E a pessoa que tem tudo isso mas mesmo assim trabalha como free-lancer para uma empresa que não paga seu seguro médico ou não lhe paga o suficiente para sua subsistência?
Resposta - Bem, a responsabilidade das empresas é algo que não discutimos há várias décadas. Será que as empresas que estão auferindo bons lucros têm a responsabilidade de atualizar os conhecimentos de seus funcionários, em lugar de despedi-los à menor provocação? As empresas que estão indo bem têm a responsabilidade de manter funcionários contratados em tempo integral, em lugar de transformá-los em autônomos prestadores de serviços, ganhando menos e sem benefícios sociais?
Pergunta - Uma pergunta final. O senhor gosta de seu emprego?
Resposta - Adoro.

Tradução de Clara Allain.

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