São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Rifkin anuncia "fim do emprego"

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Nos próximos 50 anos o mercado de trabalho mundial estará de tal forma alterado que será impossível evitar altíssimas taxas de desemprego, a não ser que radicais mudanças políticas comecem a ser adotadas logo.
Essa é a tese central do economista Jeremy Rifkin, presidente da Fundação das Tendências Econômicas, um grupo de estudos acadêmicos em Washington, onde ele deu entrevista à Folha na segunda-feira passada.
Rifkin, 51, estará no Brasil neste mês. A visita coincidirá com o lançamento no país do seu livro "The End of Work" (no Brasil, "O Fim dos Empregos", pela editora Makron), que vendeu cerca de 40 mil cópias nos EUA e foi traduzido para dez línguas.
No livro, Rifkin afirma que atualmente há 800 milhões de desempregados em todo o mundo, o maior número desde a Depressão dos anos 30 e que a terceira grande revolução industrial vai ser muito diferente das anteriores.
Na primeira, quem perdeu emprego na agricultura foi para a indústria. Na segunda, quem saiu da indústria foi para os serviços. Agora, quando o setor de serviços está sendo "desmontado" pela tecnologia, não há opção.
Ele mostra que nos anos 60, os empregados em indústrias eram 33% da força de trabalho. Agora, são 12% e em 2020 serão 2%.
O tradicional movimento dos desempregados industriais para o setor de serviços será inviabilizado pelas mudanças radicais que já ocorrem e vão aumentar no comércio, no sistema bancário, na indústria de seguros.
Rifkin prevê que algumas funções tradicionais como de secretárias, recepcionistas, gerentes de nível médio, vão desaparecer. "As grandes empresas do setor de serviços são um anacronismo", diz.
Ele afirma que o processo já está em andamento. A Kodak-Eastman, por exemplo, eliminou nove das doze faixas de gerência que tinha em seu organograma. Os empregos que serão criados, "conceituais" na sua definição, vão ser poucos e exigirão altíssima qualificação: vão ser de uma "pequena elite profissional".
"Mesmo se fosse possível treinar todas as pessoas desempregadas na indústria e nos serviços, o que é duvidoso, o setor da informação não seria capaz de absorvê-las", argumenta Rifkin. "Veja a quantidade de doutores que já não não conseguem se colocar."
Para Rifkin, a atual revolução tecnológica não precisa mais de trabalho em massa. A opção para os empresários e para os governos, segundo ele, será: conviver com menos empregos ou com menos tempo no emprego. Ele defende a segunda possibilidade: reduzir a jornada de trabalho.
Rifkin acha que até 2005 a jornada de 30 horas semanais sem redução de salário será inevitável. "A primeira revolução industrial reduziu a jornada de 60 para 40 horas. Por que não agora de 40 para 30?", pergunta. Ele aponta várias vantagens na adoção do sistema que ele chama de "seis para seis" (os pais trabalhando as seis horas do dia em que seus filhos estão na escola e passando outras seis em casa com eles).
Entre elas: a restauração dos valores familiares, crianças mais felizes e confiantes pelo convívio com os pais, menos crimes cometidos por adolescentes abandonados.
Rifkin, que passa boa parte de seu tempo em contatos com presidentes de empresas, diz que embora a maioria não queira aceitar a idéia de pagar os mesmos salários por menos tempo, eles não terão alternativa.
Os empresários também estão satisfeitos com a tendência atual de se usar força de trabalho temporária, sem vínculos empregatícios e, portanto, sem ônus trabalhistas.
Mas, segundo Rifkin, eles próprios reconhecem que essa tendência tem dois calcanhares de Aquiles. O primeiro é que a força de trabalho marginalizada (pelo desemprego, pelo trabalho temporário ou por baixa remuneração) diminui a capacidade de consumo da sociedade inteira.
Isso significa, no limite, menos negócios, economia estagnada, menos lucros para as empresas.
O segundo é que a diminuição do número de empregados com vínculos trabalhistas com as empresas para as quais trabalham coloca em risco a principal fonte no mundo de capital para investimento, os fundos de pensão.
"Esses dois riscos ofuscam quaisquer vantagens da tendência de menos empregos, menos vínculos trabalhistas, mais gente ganhando menos", diz.
Além de reduzir a jornada de trabalho, Rifkin propõe que governos e cidadãos aumentem as atividades de organizações não-governamentais. Ele sugere que a dicotomia entre setores público e privado está superada porque nem o Estado nem as empresas serão capazes de resolver a crise do trabalho.
Para ele, a solução está nas entidades comunitárias, que nos EUA já empregam 9% do total da força de trabalho e contribuem com 6% do Produto Nacional Bruto.
O dinheiro movimentado pelas organizações sem fins lucrativos nos EUA é maior do que os produtos brutos de todos os países do mundo, exceto sete.
Em 1991, 51% da população adulta dos EUA já dava algum tempo voluntário para essas organizações (na média, quatro horas por semana). Esse tempo seria suficiente para empregar 9 milhões de pessoas "full time".
Rifkin sugere que o tempo doado de graça para entidades comunitárias possa ser abatido do Imposto de Renda, como já se faz com contribuições financeiras, o que aumentaria o poder dessas organizações. Ele também acha que o Estado podia, em vez de pagar seguro-desemprego, pagar salários de pessoas desempregadas que arrumassem posição nesse tipo de entidade sem fins lucrativos.
Na sua opinião, isso teria enormes consequências sociais: os laços comunitários seriam estreitados, os serviços prestados por essa entidades melhorariam e se expandiriam (combate à Aids, proteção do ambiente, auxílio aos pobres, assistência a deficientes etc.). "O serviço comunitário é uma alternativa revolucionária às formas tradicionais de trabalho. Diferente da escravidão, da servidão e do trabalho assalariado, não é produto de coação nem de relação fiduciária. É uma ação de ajuda, uma forma de chegar aos outros", diz.
Rifkin diz que suas idéias têm sido muito bem recebidas por executivos, empresários e alguns políticos. O senador Bill Bradley, visto como possível futuro candidato independente à Presidência dos EUA, por exemplo, adotou várias delas em seu recente livro-plataforma.

Texto Anterior: A crise do Estado social
Próximo Texto: Leia trecho do livro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.