São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crescimento tem que ser reorientado

IGNACY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O progresso técnico é sempre irreversível, a não ser que uma catástrofe venha a destruir a memória social. Não se esquece aquilo que foi inventado.
Isso não quer dizer que seja impossível pilotar o progresso técnico e modular sua aplicação, desde que se criem meios de regulação da economia.
Em uma economia desregulada e aberta, funcionando apenas à mercê das forças do mercado, é grande o risco de que o progresso técnico se faça sem nenhum respeito pelos custos sociais e ambientais.
Aí está porque, à época da mundialização, o Estado nacional tem uma função essencial a preencher enquanto regulador de mercados.
Na fase atual, o progresso técnico é fortemente destruidor de empregos industriais e, cada vez mais, de empregos terciários submetidos à concorrência dos computadores. Não creio que essa tendência possa ser estancada.
Em compensação, é possível e necessário diminuir seu impacto por uma dupla manobra: é preciso acelerar o crescimento, o que demanda um forte aumento da poupança e dos investimentos.
Ao mesmo tempo, é preciso redirecionar esse crescimento, dando prioridade aos setores da economia que são ainda capazes de absorver muita mão-de-obra.
O que fazer
Uma política de emprego digna deste nome deve passar o pente-fino em todos os setores da economia a fim de identificar os lugares de trabalho disponíveis.
Os setores seguintes me parecem merecer uma atenção prioritária:
1. a agricultura, principalmente a agricultura familiar convenientemente modernizada (é a idéia central do Pronaf - Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar);
2. as agroindústrias, em particular as pequenas e médias empresas que trabalham frequentemente para o mercado local;
3. as indústrias de bens de consumo corrente (com a condição de não permitir que elas desapareçam sob o impacto da concorrência estrangeira);
4. as bioenergias e as indústrias transformadoras da biomassa; cada vez que um barril de petróleo é substituído pela energia de biomassa, aciona-se um multiplicador de empregos para produzir esta biomassa;
5. as atividades ligadas à redução do desperdício da energia e da água, à reciclagem de dejetos e à reutilização de materiais, bem como à conservação das infra-estruturas, dos equipamentos e do parque imobiliário (uma maneira de economizar o capital de reposição), estes empregos se financiando, ao menos parcialmente, pela poupança das fontes que trazem; 6. enfim, os serviços sociais, no sentido amplo do termo, cujo custo para o Estado poderia ser diminuído por meio da pesquisa de parcerias com as organizações da sociedade civil (o privado sem fim lucrativo) e os usuários.

Texto Anterior: Tecnologia e trabalho
Próximo Texto: Exclusão coloca em risco a democracia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.