São Paulo, segunda-feira, 4 de março de 1996
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Lições do Nacional

LUÍS NASSIF

No pé de uma coluna, lia-se a nota viperina: fonte ligada ao ex-presidente José Sarney declarando que se o caso Nacional tivesse ocorrido no reinado do chefe, o mundo desabaria sobre suas costas inocentes.
Seria conveniente entender melhor esse processo espúrio, que permitiu a dois dos maiores bancos do país atravessarem 20 anos ludibriando a fiscalização do Banco Central -até para ficarem mais claras as responsabilidades.
No governo Médici, o poder absoluto conferido pelo Ato Institucional nº 5 deixou os condutores da política econômica descuidados. Ocorreu um amplo e arbitrário processo de fusões e incorporações onde, em nenhum momento, informava-se à nação sobre custos e critérios.
Criaram-se mecanismos de redesconto do BC, a política de open market, definiram-se regras de recolhimento compulsório. Cada mexida na taxa de juros, no câmbio, nos critérios de recolhimento do compulsório, implicava transferências expressivas de recursos. E tudo era feito ao largo do controle da opinião pública. A caixa preta do BC começou a ser montada naquele período.
Liquidações
Posteriormente, no governo Geisel, a criação de uma série de fundos destinados a cobrir estouros do sistema abriu margem ao mais amplo processo de saque contra recursos públicos da história.
Obviamente não era esta a intenção do presidente, nem do seu ministro Simonsen, ao permitir que o IOF bancasse os rombos do sistema financeiro, e o FGDLI (criado antes) bancasse estouros do sistema financeiro da habitação.
Logo depois, quando a inflação começava a aumentar, a instituição quebrava e o IOF bancava parte do rombo. Seguia-se um prolongado processo de liquidação extrajudicial, ao longo do qual os créditos do IOF eram congelados.
Passado certo período, a inflação destruía as dívidas, e os antigos controladores recuperavam grande parte de seu patrimônio.
Toda essa indústria escudava-se em parecer de um consultor-geral da República. Bastaria um mero e reles decreto para resolver essa situação e tapar esse ralo. Mas nenhum desses notáveis quis se intrometer na história.
Cruzado
O ex-ministro Dílson Funaro tentou acabar com essa indústria, determinando que o decreto do Cruzado estipulasse claramente a correção monetária dos passivos, tanto nas liquidações extrajudiciais quanto nas concordatas. O decreto foi republicado pouco depois, sem que nenhum Cruzado fosse informado sobre os motivos. Na republicação, eliminou-se a referência expressa à correção monetária nas liquidações. Apesar de o Cruzado ter sido conduzido de maneira colegiada, a decisão foi tomada individualmente pelo presidente, que assinou o decreto, e pela pessoa que o redigiu. E tanto sabiam que o decreto não cheirava bem, que dias depois acabaram publicando um novo documento.
O que não impediu, pouco tempo depois, que estourasse o escândalo Comind -que, em país decente, teria levado todas as autoridades da época às barras do tribunal.
Entulho Por tudo isso, tentar transformar o Nacional no maior escândalo dos últimos 40 anos é evidente exagero.
Os procedimentos das autoridades -depois de descoberto o caso- foram irrepreensíveis. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, tem culpa no cartório, assim como FHC, enquanto ministro da Fazenda, e outros próceres do Real, como Pérsio Arida, que passou pelo BC. Sua culpa decorre da falta de empenho com as mudanças estruturais, dessa passividade descompromissada de julgar que as coisas acontecem no seu devido tempo, por si só, sem a necessidade de colocar a mão na massa. Da mesma maneira que os Delfins e Simonsens dos anos 70.
As mudanças implicam os seguintes passos:
1) Reestruturação total do processo de fiscalização do BC, privilegiando a análise de crédito.
2) Escolha de auditor é prerrogativa dos acionistas minoritários. No Brasil, quem escolhe a auditoria é o controlador, que por ela deveria ser fiscalizado. Como a maior parte dos bancos é constituída de empresas familiares, a prerrogativa deveria ser da própria CVM.
3) Iniciar processo consistente de transformação dos grandes bancos em sociedades anônimas, subordinadas a mecanismos modernos de controle por parte dos próprios minoritários.

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