São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Aids: ilusão e ignorância

EDUARDO MOTTI

Recente artigo neste jornal provocou celeuma entre pessoas infectadas pelo HIV. Nele, questões ético-científicas visavam atingir a competência e probidade de pesquisadores brasileiros que estudam uma nova droga contra a Aids, o indinavir, em respeitados centros médicos: Emílio Ribas, Hospital das Clínicas (USP), Escola Paulista de Medicina, Unicamp e CRTAids (São Paulo).
Iniciado em abril de 1995, abrangerá cerca de 900 pacientes (hoje conta com mais de 800), tratados por até 3 anos, para demonstrar se o indinavir isoladamente, comparado ao AZT, ou a combinação dos dois prevenirá com maior eficiência as infecções oportunísticas.
Primeiro cabe analisar a questão ética: a correta informação dos pacientes. O protocolo do estudo e o termo de consentimento foram aprovados pela comissão de ética de cada instituição e pela Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária.
Todos os pacientes assinam esse termo, o qual contém informações detalhadas sobre os medicamentos utilizados, riscos e benefícios a que os participantes estão sujeitos e seu direito de se retirar do estudo.
Os procedimentos seguem a Declaração de Helsinqui e as Boas Práticas em Pesquisas Clínicas. O estudo conta, além disso, com uma comissão de segurança e monitorização de dados, que trabalha independentemente dos pesquisadores e do patrocinador, analisando a segurança dos pacientes.
Quanto à questão científica, levantando dúvidas sobre a monoterapia, alguns fatos são fundamentais: ainda não há recomendação oficial de órgão internacional (ou nacional) para terapia combinada para o tratamento da Aids, pois os estudos sobre o assunto não foram completados ou publicados.
Segundo: não tem fundamento a afirmação de que o indinavir tem maior tendência a desenvolver resistência. Os estudos de combinação de drogas para a Aids visam aumentar a eficiência delas, já que o HIV resiste a todos os medicamentos disponíveis e em estudo.
A Merck Sharp & Dohme, fabricante do medicamento, solicitou à FDA americana o uso do indinavir como terapia isolada ou em combinação. O estudo brasileiro foi iniciado antes das informações disponíveis atualmente sobre combinação de medicamentos. A monoterapia vem sendo reavaliada, visando a segurança dos pacientes e a integridade científica do trabalho.
Sabemos que a ansiedade que cerca a Aids leva muitos pacientes a decisões impensadas. Mas essas inquietudes não podem transferir-se a seus médicos, a ponto de fazer-lhes recomendar a "terapia do momento", muito menos a pesquisadores, que ainda têm de proporcionar respostas seguras às dúvidas hoje existentes.

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