São Paulo, quinta-feira, 7 de março de 1996 |
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Filme perdido
MOACYR SCLIAR - É uma barbaridade -disse o primeiro, o que estava lendo o jornal. - Até o filme que a gente manda revelar eles perdem.- Perder não é nada -disse o segundo, tomando um gole do cafezinho. - O pior é quando o filme reaparece. - Como assim? O segundo terminou o cafezinho e contou: - Aconteceu há muito tempo. Eu trabalhava num escritório de corretagem de imóveis. Havia uma secretária lindíssima, a Selma, mulher perfeita... Todo o mundo dava em cima dela, e nada: resistia a todas as investidas. Quanto a mim, nem tentava: sou um homem tímido, não tenho nada de conquistador, as minhas chances com ela eram zero. Qual não foi minha surpresa, portanto, quando a Selma me convidou a ir a seu apartamento. Tão espantado fiquei que ela se viu obrigada a explicar: gostei de você, ela disse, porque você tem cara de sério, não é metido a galã como esses outros. Bem, fui ao apartamento e aconteceu exatamente como se fosse num filme romântico: jantar à luz de velas, champanhe, música suave... E logo estávamos na cama. Suspirou, nostálgico, e continuou: - Daí em diante, foi tudo uma agradável rotina. Todas as quartas-feiras de noite eu estava lá. E era uma coisa indescritível, uma orgia de sexo... Minha mulher não desconfiava, pois eu inventei um plantão em outra cidade: estamos lançando um prédio de apartamentos lá, eu disse, preciso ficar à noite no local de vendas e não vale a pena voltar, durmo num hotel. Só uma coisa me incomodava: meus colegas não acreditavam. Contei para dois ou três, faziam cara de incrédulos. Foi aí que resolvi recorrer à fotografia. Sem o conhecimento dela, claro. Arranjei uma máquina automática, escondi-a entre muitas roupas e dei um jeito de acioná-la sem que a Selma notasse. Não foram muitas fotos, duas ou três, mas devem ter ficado sensacionais. - Devem ter ficado? Você não viu essas fotos? - Pois é. Mandei revelar o filme, e o que aconteceu? Elas perderam as fotos. Fiquei sem a prova do meu romance e aliás fiquei sem a Selma -ela acabou casando com o nosso chefe. Mas isto não é o pior. - O que é o pior? - O pior é que essas fotos andam por aí, percebeu? As fotos andam por aí. E um dia elas ainda vão acabar na mão de minha mulher. Foto perdida é pior que assombração. Aparece quando a gente menos imagina. Texto Anterior: Campanha estimula adoção de cães no CE Próximo Texto: Por que mais impostos? Índice |
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