São Paulo, quinta-feira, 7 de março de 1996
Próximo Texto | Índice

Tipos desequilibrados fazem a cabeça de Cage

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O ator norte-americano Nicolas Cage deu uma reviravolta na sua carreira -e se deu bem- em "Despedida em Las Vegas", que entra em cartaz amanhã.
O filme do diretor Mike Figgis, adaptado de um romance de John O'Brien, foi a sensação do cinema americano no ano passado, ganhando os principais prêmios cinematográficos da temporada.
Por sua interpretação, Cage levou o prêmio do Círculo de Críticos de Nova York, da Associação dos Críticos de Cinema de Los Angeles, do National Board of Review of Motion Pictures e o Globo de Ouro de melhor ator.
A Folha falou por telefone com o ator, de Nova York, onde ele acaba de filmar as cenas externas de "The Rock", um filme de ação sobre a prisão de Alcatraz, com Sean Connery e Ed Harris.
*
Folha - Você se cansou de fazer comédias?
Nicolas Cage - Sim, eu fiz três comédias seguidas e uma delas me deixou muito infeliz. Percebi que não era o tipo de filme que queria fazer e decidi retornar para o estilo de filmagens do meu começo de carreira -mais alternativo-, para me dar uma chance de arriscar.
Folha - Onde "The Rock" se encaixa nessa perspectiva?
Cage - Eu gosto de misturar as possibilidades. "Despedida em Las Vegas" é o oposto de "The Rock", por isso a idéia de fazer um filme de ação me atraiu.
Folha - O orçamento de US$ 4 milhões de "Despedida em Las Vegas" é distante do padrão dos estúdios de Hollywood. O que o convenceu a aceitar o papel principal?
Cage - Bem, eu acreditei muito no roteiro. Ele chegou nas minhas mãos no momento em que eu filmava uma comédia de US$ 30 milhões, que não gostava de fazer.
Não me importei com o fato de o filme ter um orçamento pequeno, só sabia que tinha que fazer aquele papel, porque era diferente de tudo o que fiz antes.
Folha - Você esperava prêmios por sua atuação no filme?
Cage - Não costumo projetar o futuro, mas achei que o filme ia ser uma coisa especial, por causa de sua natureza sombria.
Folha - E a indicação para o Oscar?
Cage - Isso foi muito além das expectativas de qualquer um. "Despedida de Las Vegas" não é o tipo de filme que costuma ser reconhecido pela Academia.
Folha - Sua indicação ao Oscar decorre de um filme barato. Ao mesmo tempo, faz com que seu cachê aumente. Como isso afeta as próximas escolhas de sua carreira?
Cage - Não sei ainda. Mas percebi um aumento de entusiasmo ao meu redor. A nomeação para o Oscar parece ter gerado um tipo de excitação com o meu trabalho.
Folha - Você se considera um especialista em personagens desequilibrados?
Cage - De certo modo, porque minha principal inspiração são os atores do cinema mudo, especialmente dos filmes expressionistas alemães, como "Nosferatu" e "O Gabinete do Dr. Caligari".
Adoro o jeito como os atores se movimentavam e se expressavam naquele estilo, mas é algo que não dá para fazer no cinema moderno. Mas sempre achei que se pudesse fazer personagens loucos ou, de algum modo, diferentes, poderia usar esse tipo de interpretação.
Folha - O atual respaldo da Academia às pequenas produções é uma moda passageira ou é uma tendência definitiva?
Cage - Os pequenos estão sendo reconhecidos porque são os únicos com ousadia nessa indústria.
O custo de um filme de estúdio é de US$ 40 milhões e esse investimento tem que ser recuperado. Isso impede que os estúdios se arrisquem em roteiros bizarros e os deixa estagnados, porque a mesma fórmula é reencenada sem parar.
Como são os independentes que arriscam, acabam sendo os responsáveis pelas novas tendências, como "Pulp Fiction", "Cães de Aluguel", "O Piano" e "Despedida em Las Vegas". É só depois que filmes como estes fazem sucesso que os estúdios reagem: "Vamos fazer um filme naquela linha". Já vi isso acontecer demais.
Folha - Foram poucos os meses que separaram as filmagens de "O Beijo da Morte" e "Despedida em Las Vegas". Como fez para alterar tanto o corpo?
Cage - Meu corpo sentiu, porque saí de um filme em que tinha que me mostrar musculoso -e para isso fiz musculação e me alimentei com quilos de comida saudável- para outro em que tinha que ser um bêbado flácido, sem muito tempo entre os dois. O que fiz foi começar a comer cheeseburguer e todo o tipo de "junk food". O resultado, você viu.
Folha - Você foi afetado pela morte de John O'Brien, durante as filmagens?
Cage - Bem, isso foi bem no início das filmagens. Eu nunca o conheci, mas li seu livro. O personagem da história morre e ele se suicidou. Isso teve um estranho efeito em mim, com certeza.
Folha - "Despedida em Las Vegas" não retrata os valores mais positivos da América. Você receia que filmes assim possam deixar de ser feitos pela pressão de políticos conservadores dos EUA, que colocaram o entretenimento em sua lista de abate?
Cage - Seria uma vergonha se isso acontecesse. Acho que o filme é, ao menos, verdadeiro, porque fala da natureza destrutiva da bebida e de estupros que são cometidos corriqueiramente nas ruas. Não acho que seria construtivo criar um cinema só de "Doris Days" e "Rock Hudsons", atuando como se tudo estivesse muito bem, quando, na verdade, não está.

Próximo Texto: Conheça a filmografia de Cage
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.