São Paulo, quinta-feira, 7 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Previdência: os limites da negociação

REINHOLD STEPHANES

No Estado democrático as leis atuam em defesa dos direitos dos cidadãos. Sem restrições e favorecimentos a grupos e corporações, os textos legais devem garantir o tratamento equânime às questões que disciplinam a vida de milhões de pessoas.
É natural que, na busca do consenso, as diferenças de opinião se evidenciem e, muitas vezes, a saudável disputa pelas idéias ceda espaço à defesa intransigente de determinadas posições, mais sedutora aos olhos do público.
Convidar a sociedade para o debate sobre a reforma da Previdência representou uma das mais ousadas propostas do governo. A própria natureza da matéria reduziu o espaço para a negociação, porque não se admitiu a troca de interesses e de vantagens.
Buscamos aliados sim, mas para garantir que distorções sejam corrigidas, com o fim de privilégios e concessões que dividem a população em cidadãos de duas categorias: a dos que pagam pelos benefícios e as do que apenas usufruem das benesses.
É importante lembrar que a luta que encampei contra os privilégios se baseia apenas na inconsistência das regras dos atuais regimes previdenciário, inúmeros no país, principalmente no setor público
Como é possível aceitar que os gastos dos regimes paralelos, que atendem uma minoria, sejam maiores do que os do regime INSS, que assiste a 90% dos brasileiros? Não condeno os altos valores pagos em aposentadorias e pensões fora do INSS e sim o fato de que os beneficiários não contribuíram para ter direito a eles.
Era de se esperar que a insatisfação de quem nunca arcou com a conta gerasse ataques pessoais e jogos de cena. Muitos se apresentaram como negociadores desse processo.
E no calor da discussão cheguei a ser considerado inábil como político e mau negociador. Como parlamentar há quatro mandatos, minha atuação nas comissões de economia, finanças, seguridade social e do Plano Real jamais mereceu críticas por "falta de jogo de cintura". Estranho que somente agora essa característica tenha se revelado.
Orgulho dispensável pretender se destacar como o mais hábil na condução da reforma. Não se trata aqui de competição ou de disputa pessoal.
Nos diversos encontros que mantive, sempre fiz questão de frisar que dele participaram os melhores especialistas, atuários e demógrafos do país. No entanto uma proposta de mudança é para ser lida, entendida e debatida por todos.
Longo foi o caminho percorrido para levar o projeto de reforma ao plenário da Câmara dos Deputados. A primeira etapa vencida consistiu em esclarecer aos parlamentares os motivos urgentes da mudança.
Num único mês cheguei a receber 83 deputados federais e somente no primeiro semestre de 95 percorri inúmeros Estados, participei de palestras, mantive encontro com confederações de trabalhadores e representantes da sociedade organizada.
Com paciência expus os itens da reforma. Não se tratava de negociar e sim de arregimentar aliados ao projeto, a fim de evitar a falência definitiva do sistema. Um trabalho feito à sombra, longe dos holofotes, para não despertar vaidades e estimular o clima de confiança mútua.
Ao conduzir esse processo, também como técnico da previdência, sentei à mesa com os maiores adversários da reforma. Juntos discutimos o projeto ponto a ponto, com sensibilidade para acolher sugestões concretas.
Nesse debate concordamos em manter a aposentadoria especial aos 25 anos de contribuição para os professores da pré-escola ao segundo grau, pleiteado pelas centrais sindicais. Reconhecemos que a Constituição não pode compactuar com a injustiça social, mas injustiça também seria igualar essa categoria historicamente sacrificada às demais que estão no regime INSS. Não cedemos, no entanto, na extensão do benefício aos professores universitários.
O projeto de reforma da Previdência abrange pontos indiscutíveis, inspirados na boa técnica e na doutrina universal. Minha experiência profissional de 30 anos já me impediria de abrir mão de qualquer um deles. Sem considerar que todos se baseiam em experiências vitoriosas de outros países, onde no passado predominaram a sabedoria e a coragem de seus homens públicos.
Aos que ainda me acusam de rigidez à mesa de entendimentos tenho apenas uma resposta, ditada pela consciência tranquila de quem se empenhou ao máximo pela defesa dos interesses da maior parte do povo brasileiro, da imagem da instituição previdenciária e do bom uso do dinheiro público.
A negociação impõe limites e responsabilidade. Não caberia a nenhuma das partes conquistar privilégios para determinados grupos em detrimento do interesse comum. Como servidor público e como ministro de Estado, não admito negociar privilégios e tampouco direitos.

Texto Anterior: SEM EMPENHO; UNIVERSIDADE DO ROCK; MEA CULPA
Próximo Texto: Uma proposta para gerar empregos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.