São Paulo, domingo, 10 de março de 1996
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Igreja Católica possui 330,6 mil hectares

XICO SÁ

XICO SÁ; ANDRÉ MUGGIATI
DA REPORTAGEM LOCAL

Soma das áreas rurais de grupos católicos seria suficiente para assentar cerca de 22 mil famílias de sem-terra

A Igreja Católica e suas instituições são donas de pelo menos 330,6 mil hectares de terra no campo em todos os Estados do Brasil.
Os números foram levantados a partir de documentos da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) obtidos pela Folha.
Os dados englobam apenas os terrenos próprios para agricultura. O espaço, equivalente a dois municípios de São Paulo, é mais de duas vezes a soma das áreas das fazendas Itamaraty, do empresário Olacyr de Moraes, o "rei da soja".
As terras da igreja formam uma área suficiente para abrigar 22 mil famílias de sem-terra.
Essa conta foi feita a partir de cálculos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que estabelece uma relação de 15 hectares para uma família.
Segundo o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), até outubro do ano passado existiam cerca de 20 mil famílias em acampadas nas margens de estradas de todo o país.
Bandeira dos bispos
A reforma agrária é uma da principais bandeiras dos bispos da CNBB, que pedem insistentemente uma solução oficial para o caso.
Em nota divulgada recentemente, a entidade cobrou mais energia do governo para fazer distribuição de terras. "Preocupa-nos a falta de uma política adequada de reforma agrária e que a questão da terra esteja sendo tratada como caso de polícia", pregou o texto da CNBB.
Para o comando da Igreja Católica, no entanto, as terras em seu poder não seriam adequadas para ajudar em uma eventual reforma.
Depois de um encontro com o presidente Fernando Henrique Cardoso, no ano passado, o presidente da entidade, d. Lucas Moreira Neves, comentou que não haveria nenhum impedimento em incluir terras da igreja na questão.
D. Lucas observou, porém, que parte das propriedades já estaria comprometida com o uso da própria igreja para produzir alimentos que abastecem seminários e conventos. Isso inviabilizaria a ocupação das áreas pelos sem-terra.
A direção da Igreja Católica informou que não dispõe de dados que mostrem quais áreas das suas terras seriam produtivas ou não. Na região amazônica, por exemplo, constata-se a existência de propriedades ociosas.
É o caso do município de Tefé (AM), onde se localiza uma fazenda de 15 mil hectares, segundo informa o padre Paulo Verweijen, que dirige a prelazia local.
O tamanho da área, segundo a versão do padre, é diferente do número contido nos dados da CNBB que a Folha utiliza na reportagem.
Segundo os documentos, em todo o Estado do Amazonas a igreja só teria 8.117 hectares.
O padre conta que assentou, por iniciativa própria, apenas 20 famílias, mas suspendeu a entrega de certificados de posse. Esse pequeno grupo tem direito somente ao uso da terra.
Segundo Verweijen, a igreja descobriu que alguns colonos estavam vendendo seus lotes e, por esse motivo, deixou de fornecer os títulos de posse.
A terra, porém, deixará de ser preocupação do padre da prelazia de Tefé. Ele disse que fez acordo com a prefeitura, a quem deve entregar 12 mil hectares em troca de uma dívida da igreja com a cidade.
A maior concentração das propriedades da Igreja Católica está na região Sudeste, onde instituições religiosas comandadas por padres e freiras têm um patrimônio de 112,4 mil hectares.
Nesse patrimônio não estão incluídos os pequenos terrenos nos arredores das cidades.
Uma pesquisa feita pela Folha em cartórios do interior de São Paulo mostra o quanto a igreja deve ser próspera nesse tipo de imóvel. Só nos cartórios de Mogi das Cruzes (SP) foram localizados 40 terrenos (leia reportagem nesta página).

Colaborou André Muggiati, da Agência Folha em Manaus

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