São Paulo, domingo, 10 de março de 1996
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E vem mais por aí

JANIO DE FREITAS

Entre as acusações mais desonrosas, do tipo "chantagem para obter favores", e as mais tolas, do gênero "Sarney quer acabar com o real", soterraram-se as motivações mais óbvias nos senadores que aprovaram a CPI bancária. As fernandetes, cuja denominação não significa a ausência de homens e similares em suas hostes, fizeram o noticiário pender, como sempre, para o mais conveniente a Fernando Henrique Cardoso, o que excluiu até as coisas mais evidentes.
É verdade que esta evidência é reduzida, ou evitada mesmo, pela maioria dos políticos, quando diante dos jornalistas identificados como fernandetes. Já sabem que estão expostos, não a notícias, mas a intrigas e adulterações. Ainda assim, não seria necessária acuidade especial para sentir o que já estava presente, e continua, até nos silêncios da maioria dos políticos.
As provocações e insultos de Fernando Henrique aos parlamentares em geral, e a alguns em particular, não cabem mais nos sacos onde os políticos recolhem essas coisas para esquecê-las. Só Fernando Henrique não percebeu isso. Como não percebeu que a gratuidade de suas saraivadas repentinas tem um custo, e é um custo a ser pago por ele, mas não em hora, forma e montante à sua escolha.
O primarismo da insistência provocativa é tão mais espantoso quanto pressupõe, da parte de Fernando Henrique, que todos os setores, e principalmente o político, estejam caindo no conto que os meios de comunicação têm vendido. Vamos tomar um exemplo recente.
De repente, Fernando Henrique situa os parlamentares, sem qualquer razão objetiva para isso, como lobistas de interesses contrários ao país. A acusação já seria esquisita por dirigir-se a parlamentares que só aprovaram, até então, o que Fernando Henrique quis aprovado. O que definiria os projetos e medidas provisórias de Fernando Henrique como contrários aos interesses do país.
Mas aos parlamentares bastou aplicar lógica mais direta. Pouco depois da acusação, Fernando Henrique quis um almoço com peessedebistas. Onde? Na casa do deputado Luiz Piauhylino. De quem? Pois é, deste parlamentar que só é conhecido no Congresso, e só por estes dois motivos: é um dos maiores lobistas da Câmara, e certamente o maior na sua especialidade, que são os interesses dos usineiros nordestinos; e notado ainda quando, eleito pelos usineiros na sigla do PSB dos socialistas de Pernambuco, tratou de se alojar com muito conforto no PSDB do presidente neoliberal.
Quase não seria preciso dizer que a visão predominante no Congresso, sobre o papel de Fernando Henrique no caso Sivam, é de que ele tem agido como qualquer lobista, dos mais explícitos e pesados.
Esse caso em torno do lobismo exemplifica as ondas de irritação que os parlamentares foram acumulando, em correspondência com as provocações de Fernando Henrique. O ambiente, portanto, estava pronto para um gesto, à espera só de um motivo forte. Que apareceu sob a forma de R$ 5,9 bilhões retirados do Banco Central para salvar os Magalhães Pinto, entre eles a nora (e, claro, o filho) do presidente que vive fazendo acusações aos parlamentares e aos seus sucessores.
A arrogância e a falta de sensibilidade política de Fernando Henrique, talvez suas mais comprovadas qualidades, não autorizam suposições de que ele perceba a conveniência política de não ser inconveniente. O seu joguinho político ficaria melhor em política de grêmio ginasiano. Como ele se supõe à altura de provocar a animosidade dos craques em política (até hoje Fernando Henrique não sabe que eleito foi o Real, e não ele, como o fim da inflação elegeu e reelegeu o pobre Menem), mais gestos virão do Senado e da Câmara. Gestos fortes, tanto ou mais que os dois recentes.
As fernandetes ainda não se entenderam sobre o estado de ânimo de Fernando Henrique depois das duas derrotas. Mais uma vez, é melhor ir direto à evidência: seu discurso aos peessedebistas, anteontem, não é só um prodígio de inverdade megalômana ou de alucinação paranóica. É a autolouvação que tenta apagar o sentimento da derrota. E nisso a faz maior e mais insuportável.
Até nestas situações os craques em política agiriam de outro modo.

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