São Paulo, domingo, 10 de março de 1996
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Para Tyson, o homem é um ser maligno

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO

CONTINUAÇÃO da reportagem da pág. 1, com Mike Tyson

Folha - Você passou quase três anos na prisão e a acusação de estupro contra você gerou polêmica.
Na mesma época, William Kennedy Smith (sobrinho do ex-presidente dos EUA, John Fitzgerald Kennedy), foi acusado de estupro.
Ele foi absolvido, mas você não. Houve racismo na sua condenação?
Tyson - Foi errado o que fizeram comigo, eu não era culpado.
Infelizmente, existe muita gente falsa, eu não acredito no homem, não acredito na Justiça americana, na Justiça de nenhum outro país.
Você passa um tempo numa prisão e acredita menos ainda. Principalmente quando você é preso, como eu, por algo que não fez.
Folha - Como foi na prisão?
Tyson - Péssimo, pior do que você pode imaginar. Você é humilhado, é tratado como um animal.
A prisão é como o boxe; os dois são um negócio milionário. Eles querem manter o preso lá dentro, não querem que ele se reabilite.
Você fica lá dentro, e eles ganham muito dinheiro mesmo, mantendo o maior número de pessoas lá. No boxe, todos querem ganhar à custa do lutador, não se importam com a pessoa. Na prisão, é a mesma coisa.
Folha - Você, como uma personalidade, não recebeu um tratamento melhor dos carcereiros?
Tyson - Nada, nada. O tratamento foi péssimo, como eles tratam todos que vão parar na prisão.
Folha - Você não chegou a responder sobre o racismo.
O que você achou do julgamento do O.J. Simpson? Ele não teria sido absolvido por causa da luta racial?
O julgamento virou uma obsessão nos EUA, transformou-se numa discussão sobre se um negro que teria matado uma branca deveria ser condenado, os negros contra a condenação, os brancos a favor...
Tyson - São coisas complicadas. É como eu disse: o homem é um ser difícil, maligno até.
Que existe racismo nos EUA é uma coisa a respeito da qual não se discute. Mas não é só aqui. Quanto ao meu julgamento, quem me acusava não era uma branca. Foi alguém que tentou se aproveitar, faturar meu dinheiro. Eu não fiz nada a Desiree Washington.
Folha - Mudando de assunto, como você vê o problema da Aids, agora com o caso do Tommy Morrison, ex-campeão dos pesados pela OMB, proibido de lutar por estar com o vírus HIV?
Tyson - Fico triste por ele, muito triste. Você atravessa períodos difíceis na vida, tem que saber enfrentá-los, aprender com eles.
Depois da prisão, passei a ler mais. Li um livro do Ashe (Arthur Ashe, tenista norte-americano que morreu de Aids) que me impressionou. Ele deveria ler este livro.
Tem muitas histórias de vida diferentes da sua, ou parecidas, mas que podem ajudar. Eu mesmo quero contar minhas experiências, falar dos problemas que enfrentei, do período na prisão, do sistema judiciário, transmitir minha história de vida para os outros...
Folha - Escrever um livro?
Tyson - É... Você tem que aprender nos momentos difíceis. Foi o que fiz. Mas tem que saber enfrentar sem rancor. É o que desejo para ele. Não é o primeiro a ter o problema, nem o último.
Folha - Algumas pessoas criticaram suas duas últimas lutas...
Tyson - As pessoas tratam os lutadores só como um produto. Elas pagam, querem o nocaute. O nocaute sempre vão querer, mas, como pagaram, não pode ser um nocaute muito rápido. Então, sempre vão criticar, mesmo se você ganha.
Eu recebi críticas no começo da carreira. Diziam que eu tirava a graça do boxe por ganhar rapidamente. Mas, quando eu saí, o boxe caiu. Não apareceu um verdadeiro campeão, destes que as pessoas podem dizer: ele é o melhor.
Folha - Há muitos campeões no boxe, muitas federações. Até um brasileiro, Adílson Maguila Rodrigues, é campeão por uma sigla que não vale nada, a Federação Mundial. Não é bom unificar tudo?
Tyson - É o que eu digo: na época em que eu era campeão de todas, todos sabiam quem era o número um. Era mais fácil para o público. Você tem que ter um campeão, entende? Não 10 ou 20. Mas Mike Tyson está de volta.
Folha - Como vai seu relacionamento com Don King? É que há boatos de que você poderia procurar um novo empresário...
Tyson - Na vida tudo pode acontecer. Mesmo ele tendo me ajudado, as pessoas comentam. Eu não. Minha fase é de me preocupar menos com comentários. A vida é preciosa demais para isto.
Boatos sobre pessoas conhecidas não acabarão nunca. O jeito é aprender a não se incomodar com eles, com o que as pessoas dizem...

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