São Paulo, domingo, 10 de março de 1996
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Glória Pires vira estrela de cinema e quer voltar à TV em minissérie

ELAINE GUERINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para Glória Pires voltar à TV é preciso mais do que um bom salário e um convite para protagonizar uma novela das oito. Aos 32 anos, a atriz vive seus dias de estrela de cinema -com a indicação de "O Quatrilho" ao Oscar- e afirma que passou da fase do "tudo o que vier é lucro".
Desde o ano passado, a Rede Globo tenta convencê-la a atuar em "O Rei do Gado", novela de Benedito Ruy Barbosa que deve estrear em junho. "O problema é que eu preferia fazer minissérie. As novelas são muito longas. Ninguém aguenta mais acompanhar uma história com quase 200 capítulos", diz.
Glória acaba de voltar ao Rio, depois de uma estadia de três meses no Rancho da Maria Preta, sua fazenda em Goiás. A atriz passou as férias com o marido, o cantor Orlando Moraes, e as filhas Cléo, 13, e Antonia, 3.
Seu próximo passo será viajar aos EUA para assistir à cerimônia de entrega do Oscar, em Los Angeles -no próximo dia 25. "Os apresentadores falam besteira a noite toda, mas deve ser engraçado ver toda aquela gente de Hollywood", afirma a atriz.
"O Quatrilho", dirigido por Fábio Barreto, foi indicado ao prêmio de melhor produção estrangeira. No filme, que está novamente em cartaz em São Paulo, Glória rouba a cena ao encarnar uma imigrante italiana do início do século, que é obcecada pela vida doméstica.
Longe das novelas, a atriz trabalhou em duas outras produções no cinema (ainda inéditas). Atuou em "O Guarani", de Norma Bengell, que deve estrear em maio, e teve uma participação em "O Pequeno Dicionário Amoroso", de Sandra Werneck.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva que a atriz concedeu em seu apartamento em Ipanema, no Rio.
Folha - Por que você se afastou da TV?
Glória Pires - Eu me afastei porque precisava descansar. Quando comecei a fazer "Mulheres de Areia", em 1993, minha filha Antonia tinha apenas três meses. Na época, eu trabalhava como uma louca, fazendo dois papéis (vivendo as gêmeas Ruth e Raquel).
Depois da novela, ainda fiz a minissérie "Memorial de Maria Moura" (1994), que foi outra loucura. Gravamos durante cinco meses para fazer 20 e poucos capítulos.
Com isso tudo, achei que merecia umas férias. Eu realmente estava precisando. Queria passar mais tempo com o meu marido e minhas filhas.
Folha - Você não quer mais fazer novela?
Glória - Eu gostaria de fazer uma minissérie. Novela é muito longa. Ninguém aguenta mais acompanhar uma novela de 180, 200 capítulos. É sempre a mesma coisa, tudo segue o mesmo padrão.
As coisas estão estagnadas há muito tempo. Usam a mesma fórmula há 15, 20 anos. É como um extrator de suco de laranja. Só que, em vez de ficar no bagaço, seria melhor arriscar. Eu procuro fazer isso na minha carreira.
Folha - A Globo não te pressiona para voltar a fazer novela?
Glória - Eu continuo com contrato de exclusividade com a Globo. O problema é que fazer novela, para mim, não é mais pegar o texto e decorar. Quando a gente tem 18 anos, a gente faz o que aparece pela frente. O que vier é lucro. Mas eu já estou com 32 anos.
Ainda tenho jogo de cintura para tirar leite de pedra, como eu sempre tirei. Ao longo da minha carreira, tive bons personagens na mão, mas, com a maioria deles, eu tive que me virar. Isso sempre foi a minha especialidade.
Eu poderia continuar fazendo isso. Mas a minha exigência artística caminhou. Hoje, eu me preocupo também com quem vai dirigir, produzir e com quem eu vou contracenar. Contracenar é uma troca. Eu não vejo a menor graça em trabalhar sozinha. Se tenho um ator maravilhoso do meu lado, eu faço melhor.
Folha - Com a repercussão de "O Quatrilho", você pensa em se dedicar mais ao cinema?
Glória - Não sei. Tudo depende das propostas que eu receber. O trabalho de um ator não muda muito. Representar é uma coisa só, independente se é para cinema ou televisão.
O que muda é que, na TV, a gente tem menos tempo para se preparar. Eles resolvem tudo em cima da hora e sobra pouco tempo para pesquisar.
Quanto ao sucesso de "O Quatrilho", eu acho que isso vai ajudar a aumentar a produção no país, o que é muito bom. É claro que também vai aparecer muita porcaria. Mas isso faz parte.
A gente vive atualmente uma época em que é preciso ter quorum para o cinema brasileiro. As pessoas têm de retomar o hábito de ir às salas para ver filmes nacionais. E para isso é preciso explorar o lado comercial.
Folha - A sua Pierina é o personagem mais forte de "O Quatrilho". Como você se preparou para o papel?
Glória - Eu tive uma preocupação muito grande em não fazer da Pierina apenas um personagem forte. Aliás, sempre me oferecem papéis fortes, dramáticos, tensos. Eu adoro isso, adoro a tragédia. No fundo, eu sou uma pessoa dramática.
Mas, desta vez, procurei ser mais subjetiva. A Pierina é muito assim. Ela não é como os outros personagens do filme, que são bem definidos desde o início. Foi complicado montar, inclusive por causa do sotaque, mas, no final, acho que ficou bom.
Gosto quando as pessoas de origem italiana dizem coisas como: "Parecia a minha avó", "Parecia a mamma". É sinal que ficou humano. Algumas pessoas se lembraram da infância, da antiga casa.
E é isso mesmo que a Pierina é. Uma mulher da casa, da terra, dos filhos. Ela está com a casa sempre limpa, com cafezinho fresco, biscoitinhos na mesa.
Por isso não quis fazer dela uma mulher forte, imperiosa, do tipo "eu sou a mulher da terra". Não queria dar esse tom operístico. Queria fazer uma coisa verdadeira, sentimental e, ao mesmo tempo, muito seca.
As pessoas daquela época eram assim. Havia uma economia de palavras e gestos de carinho. O contato físico era quase nenhum. Também trabalhei em cima das lembranças que tenho da minha avó. Ela não era italiana, mas também era imigrante. Era portuguesa.

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