São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 1996
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"Rio Violento" de Kazan nada contra a corrente

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Talvez numa "guerra de audiências" dessas que ocorrem periodicamente, "Rio Violento" (Record, 14h15) não tivesse chance de voltar ao cartaz: é provável que qualquer policial vagabundo tipo polícia vs. traficantes dê mais audiência.
O rio de Kazan está contra a corrente. Será um pequeno público, o que vai se interessar pela saga de um agente federal (Montgomery Clift) que desce ao vale do rio Tennessee para convencer uma senhora (Jo Van Fleet) de que deve vender suas terras para que o governo construa uma barragem.
Estamos nos anos 30, e o governo Roosevelt intervém com certa violência para refrear a Depressão (barragem é igual a empregos, além de conter a fúria das enchentes).
Mas isso coloca os direitos do Estado em choque com os direitos do indivíduo. E Van Fleet entende que a terra de seus antepassados é também o lugar em que deve morrer. Kazan, um rooseveltiano, de certo modo coloca-se a favor do progresso, representado por Clift.
Mas nem por isso deixa de entender o lado oposto, o da tradição. É justamente o fato de ambos os lados terem boas razões para justificar suas atitudes que dá ao filme uma consistência trágica.
No embate entre o velho e o novo, a permanência e a mudança, não existe hipótese de desenlace que não preveja dilaceração. Talvez o maior mérito -entre tantos- deste filme seja o de levar a dor da transformação a suas últimas consequências.
É bem Kazan, isso: todos os seus filmes trazem a dificuldade de viver como um emblema. Mais: o homem é uma espécie destinada a trilhar um caminho sempre estreito, instável, com frequência turbulento. Como os rios.
Aqui, o rio Tennessee tem, portanto, uma existência dupla: ao mesmo tempo física e metafórica.
(IA)

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