São Paulo, quarta-feira, 13 de março de 1996
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Reorganização: uma arte necessária

BILL GATES

"Reorganizações de empresas às vezes são motivadas por fracassos, mas o mais frequente é que sejam elementos vitais ao sucesso da empresa"
"Acho que a indústria da mídia frequentemente erra por levar em conta mais as pessoas do que a estrutura, na sua organização"

Quando a palavra reorganização é ouvida no mundo das empresas, às vezes provoca calafrios.
"Será que alguma coisa deu errado?", as pessoas se indagam. "Quem da empresa saiu ganhando? Quem saiu perdendo?"
As reorganizações de empresas às vezes são motivadas por fracassos, mas o mais frequente é que sejam elementos vitais ao sucesso da empresa.
Uma "reorg" bem feita pode levar pessoas para novas áreas, onde poderão se mostrar mais criativas e eficientes.
Muitas vezes, as pessoas atingem platôs no trabalho. Elas se acomodam em seus empregos e deixam de trazer novas idéias para o trabalho. Um realinhamento é capaz de confrontá-las com novos desafios.
Quando pessoas que trabalhavam na produção chegam mais perto do cliente, e pessoas que trabalhavam com os clientes entram no ciclo de produção e desenvolvimento, os resultados podem ser ótimos. Esse efeito de misturar os ingredientes do bolo ajuda as empresas movidas pelo consumidor a conceber e produzir produtos melhores.
Sejam quais forem suas razões, porém, as reorganizações dão muito trabalho e implicam alguns riscos.
Por exemplo, se você optar por ampliar a experiência de um executivo, transferindo-o de um trabalho importante para outro, você corre o risco de que nenhum dos dois trabalhos seja tão bem feito quanto antes.
E sempre existe a possibilidade de que a nova estrutura não funcione tão bem quanto a antiga.
Mesmo assim, uma empresa que nunca se dispõe a se reorganizar é provavelmente bastante calcificada em termos de sua reação ao mercado. E isso é um risco.
Às vezes, uma empresa leva vários anos para reconhecer que deveria haver mudado, e aí talvez já seja tarde demais. Hoje, qualquer empresa pode ser expulsa do mercado, se não demonstrar capacidade de adaptação.
Em seus 20 anos de história, a Microsoft vem empreendendo uma grande reorganização a cada dois anos, mais ou menos.
No início de 1994, mudamos toda a estrutura da empresa, e em fevereiro de 1996 fizemos a mesma coisa outra vez. Tenho certeza de que ainda vamos mudar a estrutura da companhia muitas outras vezes.
As reorganizações fazem parte da vida normal da Microsoft. Mas isso não significa que não provoquem ansiedade. Provocam, sim -em quase todos os envolvidos, inclusive em mim.
Minha preocupação é sempre saber se estamos tomando as decisões certas e se certos funcionários-chaves ficarão satisfeitos com seus novos papéis na empresa.
Sinto confiança numa potencial reorganização quando vejo que ela deixa claro o que cada grupo deve fazer, quando ela reduz ao mínimo as dependências entre os diferentes grupos e quando oferece responsabilidades maiores aos funcionários com potencial de crescimento.
Os funcionários se preocupam com suas carreiras: como a nova estrutura da empresa vai afetá-las. Os gerentes se preocupam excessivamente com o título que passarão a ter e com mudanças no número de pessoas que se reportam a eles.
Aqui na Microsoft, procuramos não atribuir significado demais aos títulos, simplesmente porque títulos descritivos incentivam a inflexibilidade dos funcionários durante as reorganizações.
Por exemplo, muitas pessoas aqui têm o título de "gerente de produto". Delegamos responsabilidades significativas de marketing a cada uma delas, mas algumas se reportam a pessoas que têm o mesmo título.
Alguns de nossos melhores funcionários não têm ninguém trabalhando sob suas ordens. Alguns deles dirigem grupos grandes, mas a outros pedimos que assumam um projeto pequeno, porém importante, ou mesmo que trabalhem sozinhos. É preciso ter ótimas pessoas em cada canto de uma organização.
Ao traçar uma nova estrutura para uma organização, é preciso atingir um ponto de equilíbrio: manter o lado lógico da coisa e também manter determinados executivos contentes e eficientes, delegando a eles projetos que eles queiram administrar e que serão capazes de administrar bem.
Acho que a indústria da mídia frequentemente erra por levar em conta mais as pessoas do que a estrutura, na sua organização.
Já o mundo da produção muitas vezes erra por focalizar principalmente a organização lógica, em detrimento das pessoas.
A mudança que efetuamos recentemente aqui na Microsoft visava nos conferir uma estrutura capaz de promover a construção de software para a Internet o mais rapidamente possível, ao mesmo tempo mantendo a atenção ao "Windows".
Nós nos perguntamos: Quais são nossas metas? Como podemos colocá-las em prática? Quais as implicações disso para nossa estrutura? Como nossos funcionários se encaixam nisso? Eles conseguirão ficar instigados, motivados? Poderão realmente cumprir seus novos papéis?
As discussões prévias levaram quase dois meses, e, como resultado delas, nosso pensamento evoluiu bastante.
Procuramos limitar o número de pessoas envolvidas. Quando a notícia de uma reorganização começa a vazar, a tentação de apressar as decisões se torna grande.
Para finalizar, o modo pelo qual se comunica a notícia de uma reorganização é importante. Eu, pessoalmente, acredito muito no correio eletrônico, mas descrever os detalhes de uma reorganização aos funcionários é o tipo de coisa que pode ser mais bem comunicada pessoalmente.
Nós reunimos milhares de funcionários, pusemos executivos-chaves no palco e reservamos mais de uma hora para perguntas e respostas.
Aceitamos as perguntas difíceis de bom grado e queríamos que os funcionários vissem nossas reações em primeira mão. Queríamos saber o que os funcionários estavam pensando.
Em qualquer reorganização, algumas pessoas se distinguem por ajudá-la a dar certo e por mostrar que seu primeiro interesse é ajudar a melhorar a empresa.
Outras pessoas demonstram inflexibilidade e incapacidade de erguer-se acima de sua própria visão de seus interesses pessoais.
Alguns gerentes sempre optam por não se encaixarem na nova estrutura ou então realmente não se encaixam nela. Perder alguns gerentes não é problema, mas um alto índice de demissões e contratações novas é prejudicial e provavelmente revela que a empresa não conseguiu mostrar aos gerentes um plano de carreira de longo prazo.
Os funcionários que só conseguem enxergar o próximo passo em suas carreiras e que não compreendem como a empresa avalia suas habilidades ou onde essas habilidades podem levá-los sempre ficam inquietos.
Isso pode resultar em um ambiente de descontentamento e ineficiência na empresa -reorganizada ou não.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada ao endereço eletrônico askbill@microsoft.com.

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