São Paulo, domingo, 17 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Juro agrava o desequilíbrio fiscal imposto desde 1988

Constituição amarra Orçamento federal e provoca os déficits

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em cada R$ 100 arrecadados, a Constituição de 1988 obriga o governo a gastar R$ 100,50, sem contar as despesas com os juros.
A Constituição vinculou receitas, como dizem os economistas. Ou seja, determinou como deveria ser gasta a maior parte do arrecadação.
Assim, em cada R$ 100 arrecadados, apenas R$ 19,50 podem ser, em tese, livremente alocados.
A Constituição manda gastar R$ 53,2 com seguridade social (Previdência, seguro desemprego, saúde e assistência social); R$ 18,1 são transferidos obrigatoriamente para Estados e municípios; e R$ 4,00 vão para Educação.
Todos os demais ministérios e órgãos públicos têm gasto, na média, R$ 5,20 em cada R$ 100.
Salários
Amarrado dessa forma o Orçamento, o grande dilema, como diz consultor Raul Velloso, que elaborou as contas acima (como percentagens da arrecadação) e é especialista em Orçamento público, passa a ser como pagar o funcionalismo.
É que, pela lei, dos R$ 53,2 destinados para seguridade, somente R$ 3,2 podem ser usados para o pagamento de funcionários.
Como o gasto total da folha é de R$ 32,4 (em cada R$ 100), o governo teria de encontrar R$ 29,20 no restante do Orçamento.
Mas, excluídos os recursos destinados obrigatoriamente a seguridade e os transferidos, também obrigatoriamente, a Estados e Municípios, sobram apenas R$ 28,70.
Desde 88, o governo tem buscado formas para driblar esse déficit. São artifícios, como define Velloso, para desvincular receitas.
O principal deles é o FEF (Fundo de Estabilização Fiscal), o sucedâneo do extinto Fundo Social de Emergência.
O FEF permite a livre alocação de 20% dos recursos que estavam anteriormente vinculados. Assim, não vão mais para a seguridade R$ 53,20, mas R$ 42,56.
Outro artifício é a MP 964, que permite o uso de recursos da seguridade para o pagamento, até a totalidade, das pensões e aposentadorias do funcionalismo. "42% da folha de salários é composta por pensões e aposentadorias", diz.
Juros
O terceiro é mesmo segurar os pagamentos na ponta do caixa.
Todos esses artifícios são usados, segundo Velloso, para que sobrem os recursos necessários para o pagamento dos juros da dívida -impedindo que a dívida aumente em termos reais. "Esse é o objetivo."
Mas, no ano passado, não deu. As despesas com juros somaram a R$ 16 bilhões, as maiores desde 89, enquanto o superávit (receitas maiores que despesas) do Tesouro foi de R$ 6 bilhões.
Por isso, este ano, avalia Velloso, o déficit operacional (receitas menos despesas, incluído juros) pode diminuir, desde que as despesas com juros sejam reduzidas.
O papel das reformas constitucionais, segundo Velloso, é, no fundo, tornar permanente a flexibilidade conseguida por artifícios temporários (o FEF, por exemplo, só terá um ano e meio de vida).
A reforma administrativa flexibilizaria a gestão da folha, ao derrubar a estabilidade, como pretende o governo em sua proposta.
A previdenciária, também espera o governo, acabaria com o aumento de 20% automático sobre o último salário recebido (passaria a ser uma média dos últimos dez anos), além de limitar a idade.

Texto Anterior: Lições da truculência
Próximo Texto: Credibilidade é o fator vital
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.