São Paulo, domingo, 17 de março de 1996 |
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NBA reprime a fé religiosa de jogador negro e muçulmano Liga ameaça cestinha que não ouvia de pé hino dos EUA MELCHIADES FILHO
A NBA (National Basketball Association) anunciou na terça-feira o banimento do jogador Mahmoud Abdul-Rauf, 27. O "crime": não ficar de pé, na quadra, durante o hino norte-americano, executado antes das partidas de basquete. O armador e cestinha do time do Denver Nuggets foi suspenso por tempo indeterminado -sem direito a receber salário. Anteontem, voltou atrás e recebeu o perdão dos dirigentes. A punição representava prejuízo de US$ 31,7 mil por partida a ele -US$ 615 mil se ficasse fora do resto da temporada, até junho. Na quarta, o jogador explicou-se em comunicado à imprensa. Disse que põe a religião acima de "ideologias nacionalistas" e que o hino e a bandeira dos EUA "também são símbolos de tirania". "Não critico aqueles que ficam de pé, então não me condenem. Não sou hipócrita. Tento ser sempre sincero na minha vida e com as pessoas. Este país tem uma história de opressão aos negros. Não posso honrar, ao mesmo tempo, Deus e um símbolo dessa opressão." "Nunca quis desrespeitar os que consideram o hino uma cerimônia sagrada", disse. Abdul-Rauf evitava a imprensa sobre o assunto. Na hora do hino, nas últimas 60 partidas de que participou, escondia-se -nos vestiários ou fazendo exercícios de alongamento no túnel de acesso à quadra. Mas o manual de conduta da NBA exige que atletas e treinadores respeitem o hino "perfilados e com postura digna". A liga só tomou conhecimento da desobediência de Abdul-Rauf em janeiro. Mas adiou a retaliação, estipulando um prazo para que os dirigentes do Denver convencessem o atleta a recuar. Nesta semana, a franquia (na NBA, os times pertencem a empresas) jogou a toalha e avisou a NBA. Desde então, o caso explodiu nos EUA. Virou tema de "talk-shows" nas TVs e rádios. "Deveríamos expulsá-lo do país", afirmou o porta-voz da Veterans of Foreign Wars, que reúne veteranos de guerra. "Ao banir Abdul-Rauf, a NBA baniu a liberdade religiosa. Mesmo que não seja um órgão governamental, é lamentável que ela tenha posto princípios de marketing acima daqueles honrados na própria letra do hino nacional", declarou a American Civil Liberties Union. Até os muçulmanos racharam. O pivô Kareem Abdul-Jabbar, maior cestinha da história da NBA, apoiou o colega de religião. Já o nigeriano naturalizado norte-americano Hakeem Olajuwon, bicampeão da NBA e convocado para a Olimpíada, viu exageros. "Segundo o Corão (livro sagrado islâmico), você não pode adorar ninguém, à exceção de Deus. Mas não se deve confundir adorar com respeitar." Na quarta-feira, Abdul-Rauf prometia não recuar. "Isso pode custar minha carreira. Mas meus princípios são mais importantes do que qualquer dinheiro." No mesmo dia, o sindicato dos atletas anunciou o contra-ataque. Seus advogados iriam recorrer à Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que defende a liberdade de expressão, e ao Ato de Direitos Civis, que proíbe o empregador de prejudicar o funcionário por convicções religiosas. Na noite de quinta-feira, Abdul-Rauf cedeu. "Meus amigos me disseram que era o melhor a fazer. Fecharei os olhos e tentarei não escutar o hino. Vou me concentrar e orar pelos que atravessam dificuldades, brancos, negros ou quem quer que seja." "Não sou racista, e isso nunca foi uma questão racial. Nunca tentei transformar minha crença em um espetáculo." Na sexta-feira, o armador reintegrou-se ao Denver. Foi vaiado pelo público na derrota por 108 a 87 para os Bulls, em Chicago. "Os torcedores podem fazer o que quiserem, mas desconhecem totalmente o que significa minha crença religiosa e o respeito que tenho por todos", disse. Texto Anterior: Organizador diz correr riscos de prejuízo Próximo Texto: Atleta supera mal nervoso Índice |
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