São Paulo, domingo, 17 de março de 1996
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Saída de Cid marca fim de uma era

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Dentro de duas semanas, quando Cid Moreira deixar de apresentar o "Jornal Nacional", o telespectador estará presenciando o fim de uma era na televisão brasileira -a dos locutores.
Terminou a época dos profissionais de voz grave e ar galante, que liam as notícias mais bombásticas, relatavam os fatos mais trágicos sem piscar os olhos nem despentear o cabelo. São relíquias do passado, como os filmes de capa-e-espada, as máquinas de escrever e os aviões Electra.
Filhos do rádio, os locutores de telejornais reinaram por quatro décadas. Existiam para inexistir. Não opinavam, não questionavam, não interpretavam. A notícia não os contaminava. O pouco de comentário que se permitiam emitir escorria por um tênue sorriso ou um discreto alçar de sobrancelhas.
Há 26 anos, Cid Moreira encarna o papel com perfeição -à semelhança de Luís Jatobá, Kalil Filho e Hilton Gomes, ícones das décadas de 50 e 60. Não importa que Sérgio Chapelin e Luiz Lopes Correia continuem em cena (um no "Globo Repórter", o outro no SBT). O mais emblemático dos locutores vai sair do ar e, com ele, todo um estilo de fazer TV.
Agora é a vez do "jornalismo interativo", expressão que a Globo cunhou para definir os novos tempos. O termo indica que a rede está buscando um híbrido de Cid Moreira e Boris Casoy.
Ou melhor: Lillian Witte Fibe, Chico Pinheiro e os demais jornalistas que irão assumir os telejornais da casa não serão meros leitores de notícias. Deverão interferir na produção e edição das reportagens, tarefa que Cid nunca desempenhou.
Em contrapartida, não poderão esbravejar nem distribuir opiniões como Boris Casoy, âncora do "TJ Brasil". O máximo que farão é tecer análises ou comentários interpretativos.
A procura de uma alternativa para o locutor tradicional põe a maior rede do país no mesmo trilho em que já trafegam o SBT, a Bandeirantes, a Manchete e a Record. Sinal de que as concorrentes incomodam mais do que costuma admitir a emissora de Roberto Marinho.
Credibilidade
Por muito tempo, a Globo carregou o fardo de contaminar noticiários com informações (ou omissões) tendenciosas. Ora refletia interesses de determinados grupos políticos -não raro, os que detinham cargos no Executivo. Ora buscava alavancar negócios da família Marinho.
Não à toa, os telejornais da emissora perderam prestígio e audiência. Entre 1989 e 1994, por exemplo, o "JN" viu desaparecer 25% de seu público.
Pelo menos duas das mudanças que entram em vigor no dia 31 têm a intenção evidente de aumentar a credibilidade do jornalismo que se pratica dentro da Globo.
A primeira: o "Bom Dia Brasil" sai de Brasília e passa a ser transmitido do Rio.
A outra: Cid Moreira aparecerá esporadicamente no "JN" apenas para ler editoriais -textos que expressam a posição oficial da emissora sobre este ou aquele acontecimento.
Com a iniciativa, a Globo sinaliza que o espectador não correrá mais o risco de encontrar a opinião dos Marinho disfarçada de notícia nos telejornais. Se isso realmente acontecer, aí sim a televisão brasileira estará vivendo a maior de todas as revoluções.

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