São Paulo, segunda-feira, 18 de março de 1996
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Previdência: quem paga o que para quem?

LUIZ CARLOS CORREA SOARES

A reforma da Previdência entrou em deliberação no Congresso sem que os mais de 50 milhões de interessados diretos -trabalhadores ativos e inativos- saibam claramente o que está sendo decidido, apesar de noticiários e comentaristas abarrotarem nossos olhos e ouvidos a todo momento com o tema.
É que a discussão está deliberadamente desfocada no que se refere ao enfrentamento de questões conceituais básicas e fundamentais, e o pretenso e restrito debate está torto e dominado por aspectos corporativos ou periféricos.
Em qualquer país realmente democrático, isso se caracteriza como um absurdo tão grande quanto passar um camelo pelo orifício de uma agulha ou algo semelhante.
Felizmente, o projeto não foi aprovado na sessão de 6 de março da Câmara, o que permitirá a retomada da discussão.
E que ninguém tente o falso argumento de que as discussões e negociações com as centrais sindicais -por mais representatividade que tenha o Vicentinho- foram um "amplo e completo debate com a sociedade".
Em suma, falta muita coisa com referência à reforma da Previdência, a começar por uma discussão democratizada quanto à sua real necessidade e oportunidade.
Falta também, fundamentalmente, definição clara de "quem paga o que para quem", ou seja, os princípios mais fundamentais do sistema: a abrangência e o financiamento. Nesse sentido, vários questionamentos se apresentam:
1) Por que o sistema não pode ser universal -isto é, abranger, em igualdade de condições, todos os trabalhadores (da iniciativa privada, das estatais, servidores públicos dos três Poderes)? Será apenas por corporativismos da pior espécie e ganâncias sem limites na preservação de privilégios?
2) Por que o atual regime de repartição simples ou de caixa (recebe cá, paga lá) deve continuar? Não se pode passar, progressivamente, para o de capitalização, como era na época dos IAPs (até meados dos anos 60) e assim como são hoje os chamados fundos de pensão?
3) Se o regime será de caixa, como os contribuintes de hoje/aposentados de amanhã sustentarão os aposentados de hoje/contribuintes de ontem? Até quando?
É bom lembrar que a sociedade brasileira já está envelhecendo e o desemprego é crescente, o que só faz aumentar o desequilíbrio da relação ativos/inativos.
4) E como ficam aqueles que não tiveram como e/ou com que contribuir? Por que o governo e seus arautos não assumem publicamente que o seu tão decantado, mercantilista e neoliberal "Estado mínimo" não tem a menor intensão de sustentá-los e que estarão, por consequência, marcados para morrer como indigentes?
Ou confessam isso ou definem que o Tesouro aportará recursos fiscais para suprir esses benefícios, acabando com o atual "cobertor curto": cobre de cá, destapa de lá.
Por outro lado, a Previdência movimenta em torno de US$ 40 bilhões anuais. É um valor mais que atrativo até para o mercado internacional de capitais; quanto mais para os bancos e seguradoras nacionais.
A partir dessa compreensão, fica mais fácil entender alguns dos motivos ocultos (?) para tanto empenho do governo FHC e das forças que o apóiam e circundam em obter a qualquer custo a "flexibilização" da Previdência e sua descaracterização como instituição pública confiável.
Enfim, há muita coisa a ser desmistificada. Soluções administrativas, gerenciais, políticas e de legislação ordinária existem, sem que seja necessário fazer grandes mudanças constitucionais para viabilizar a Previdência.
Que tal começar por melhorar a fiscalização, reduzir a sonegação, reduzir gastos com o serviço da dívida pública (de R$ 25 bi a R$ 30 bi só em 95)? E o Proer, Sivam, gasoduto da Bolívia, perdão da dívida dos ruralistas, e tantas e tantas outras sangrias nas veias do país?
Mas cadê a vontade política? Como frear a corrupção, a ganância e os interesses subalternos?
Em tempo: 1996 é ano eleitoral e 1998 também...!

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