São Paulo, quinta-feira, 21 de março de 1996 |
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Orgulho e preconceito
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. Há poucos dias, um funcionário do Banco Mundial protagonizou um incidente diplomático, ao declarar que o Brasil precisa avançar na reforma fiscal para evitar a explosão de uma "bomba-relógio" contra a estabilização.Em carta ao presidente do banco, o embaixador do Brasil nos EUA, reagiu agressivamente: "É inaceitável que um funcionário de baixo escalão do Banco Mundial considere justo emitir julgamento totalmente equivocado sobre a atual política econômica do Brasil." A declaração do funcionário não foi apropriada e pode até conter algum exagero ou preconceito. Mas a resposta brasileira está dentro do padrão habitual de comportamento das nossas autoridades: rispidez, e até uma certa estridência, em episódios menores, como forma de compensar ou dissimular a falta de firmeza nas questões realmente relevantes. Ainda anteontem o presidente da República, em cadeia nacional de TV, começou o seu pronunciamento nos seguintes termos. "Na semana passada, eu estive no Japão. Vi reafirmada a confiança que os países hoje depositam em nós. Eu queria dizer-lhes que sinto orgulho de ser brasileiro." Palavras sintomáticas. Se temos um presidente que precisa, aparentemente, de elogios do exterior para ter orgulho de ser brasileiro, então tudo é possível. E nem temos, a rigor, o direito de estranhar que um funcionário internacional desanque a política econômica do país. De qualquer maneira, o fato é que as declarações do funcionário têm uma dose de verdade. O Plano Real não só não está consolidado, como produziu graves distorções, que o governo vem demorando a corrigir, seja porque não as reconhece, seja porque lhe falta vontade ou apoio político. Segundo dados oficiais, o resultado operacional do setor público como um todo (incluindo governo federal, Estados, municípios e empresas estatais) passou de um superávit de 1,3% do PIB em 1994 para um déficit de 5% em 95. Um aumento no déficit de 6,3% do PIB em apenas um ano! O governo federal e o BC responderam por 52% do aumento no déficit consolidado. Outro dado preocupante é o crescimento da dívida em títulos, composta de papéis de prazo curto que carregam juros muito elevados. A dívida passou de R$ 103,2 bilhões para R$ 127,4 bilhões, entre outubro e fevereiro, impulsionada pelas operações do setor externo, pela assistência financeira a bancos (Proer), pelo déficit nas contas do Tesouro e pelo próprio refinanciamento dos juros devidos pelo governo. A que atribuir a erosão da base fiscal do programa de estabilização? Parte significativa do problema se deve, sem dúvida, à indisciplina na execução da política fiscal. A frouxidão da política fiscal se expressa, por exemplo, na forte expansão de itens importantes da despesa não-financeira ou na falta de vigor no combate à evasão tributária. Mas parte da deterioração foi produzida endogenamente pelo próprio programa de estabilização. Juros escorchantes e crédito escasso, aplicados em parte para compensar uma forte valorização do câmbio, acabam provocando a implosão das contas públicas. Não só pelo efeito direto da política de juros sobre o custo da dívida, mas também por uma série de caminhos menos diretos, mas não menos relevantes. Por exemplo: os juros altos atraem capitais externos e geram um excesso de oferta de dólares. Na medida em que o BC absorve esse excesso e neutraliza o impacto monetário da operação mediante a colocação de dívida, cresce o déficit público. A razão é que a remuneração dos ativos que o governo compra (reservas internacionais) é muito inferior ao custo dos passivos (títulos federais) que ele emite em contrapartida. Outro exemplo: a recessão decorrente dos juros altos e da restrição de crédito, embora contribua para conter circunstancialmente o déficit externo em conta corrente, contribui também para desequilibrar as finanças públicas. Isto porque produz aumento de certas despesas (seguro-desemprego, por exemplo) e provoca redução das receitas, como vem ocorrendo desde o segundo semestre do ano passado. A queda da receita pode ser inclusive mais do que proporcional à redução da atividade econômica, em função do esforço dos contribuintes de proteger-se dos efeitos da recessão por meio de aumento da sonegação, inadimplência, contestação judicial, etc. É como dizia Keynes em 1933. "Nunca se conseguirá equilibrar o Orçamento por meio de medidas que reduzem a renda nacional". E, a propósito, que horas são? Texto Anterior: Sem licitação; Sem sustentação; Sem jurisprudência; Projeto na mesa; Motor fundido; Eventual passivo; Sopa beneficente; Outra rolagem; Auditor independente; Conflitos potenciais; Currículo reforçado; Créditos podres; Varejo na rede; Sem definição; Inscrições encerradas; Nova unidade; Garantia a realizar; Fatos contra boatos Próximo Texto: Os lucros estrondosos Índice |
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