São Paulo, quinta-feira, 21 de março de 1996
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Debate aborda os meandros da Razão

MARIO SERGIO CORTELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Blaise Pascal -sempre citado quando se quer arranhar a terrível eficácia da Razão, principalmente contra Descartes- afirmava no século 17 a existência de "dois excessos: excluir a razão e admitir apenas a razão", montando as bases de um aforismo pronunciado (300 anos depois) por Romain-Roland: "A Razão é um sol impiedoso; ela ilumina, mas cega".
A exaltação da Razão e as tentativas de diminuir a presunção de sua primazia são temas recorrentes em todo o percurso do pensamento ocidental.
Quando, no século 4 a.C., Aristóteles elege a racionalidade como sendo a diferença específica entre o Homem e seu gênero próximo, os outros animais, estava consolidando uma expressão imperativa que atravessaria os séculos quase imaculada: o Homem é um animal racional.
Tão óbvia parece ser essa definição aristotélica que raramente se cita a fonte ou se conhece sua origem.
Não foram poucos os que buscaram demonstrar a insuficiência ou, até, a precariedade dessa convicção.
A ela se opõem, basicamente, alguns dos arautos da Arte e da Religião, lançando mão do insistente e contínuo apelo da humanidade à Emoção e à Fé.
A Modernidade não escapou dessa cisão. Apesar da cosmovisão medieval ter procurado resolver essa dicotomia inventando uma função servil e instrumental da Razão em relação à Fé, o ideário renascentista fermentou em meio a movimentos oscilatórios e ambíguos no tratamento da questão.
A transição para o moderno foi feita com ensaios de enquadramento lógico nos campos da pintura e da escultura (a partir da busca da simetria e proporcionalidade) e também na música (com a organização de pautas, escritas e escalas matematizadas); até a poesia (reduto especial da liberdade emocional) foi circunscrita a padrões métricos mais rígidos.
O ápice desse confronto Razão/Emoção/Fé vai se dar no iluminismo europeu do século 18 e nos conceitos cientificistas do século 19.
Sob o império da Razão, a saída (provisória, claro) será construída pelo mecanismo da exclusão: o que não se encaixa nos cânones da lógica é incerto, frágil e (por que não?) fútil.
Nesse apogeu, a oscilação não cessa. Ao mesmo tempo em que Diderot (um dos avatares do Iluminismo) dizia que "se a razão é uma dádiva do céu, e se o mesmo se pode dizer quanto à fé, o céu deu-nos dois presentes incompatíveis e contraditórios", seu contemporâneo Montesquieu nos lembrava que "nada devemos fazer que não seja razoável; mas nada também de fazermos todas as coisas que o são".
Em nosso século, desde seu início, a reação à pretensão de exclusividade da racionalidade tem sido furiosa na trincheira das Artes e da Filosofia; ademais, a capacidade humana (racional?) de autodestruição e de eliminação da vida planetária tem acompanhado de perto as conquistas e benefícios da Razão técnico-científica.
Talvez G.B. Shaw estivesse certo ao propor que "o homem razoável adapta-se ao mundo; o homem que não é razoável obstina-se a tentar que o mundo se lhe adapte.
Qualquer progresso, portanto, depende o homem que não é razoável'".

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